BSPF - 09/11/2019
O ministro da Economia, Paulo Guedes, apresentou nesta
quarta-feira (6/11) três propostas de emenda à Constituição para reformar o
Estado brasileiro. Uma das PECs restringe decisões judiciais sobre pagamentos a
servidores e estabelece que ordens gerem despesas só serão cumpridas quando
houver previsão orçamentária.
Especialistas ouvidos pela ConJur afirmam que a proposta é
inconstitucional, pois engessa o Judiciário, violando o princípio da separação
dos Poderes. Além disso, a medida é inócua, pois não é possível controlar como
magistrados vão proferir suas decisões.
A PEC 188/2019 altera o artigo 37, XXIII, da Constituição,
para proibir o pagamento retroativo de despesas com servidores; de gastos de
pessoal com base em decisão judicial não transitada em julgado; e de benefícios
de natureza indenizatória sem lei específica que autorize a concessão e
estabeleça o valor ou critério de cálculo.
Além disso, inclui dois parágrafos no artigo 166 da
Constituição. O parágrafo 8° determina que “lei ou ato que implique despesa
somente produzirá efeitos enquanto houver a respectiva e suficiente dotação
orçamentária, não gerando obrigação de pagamento futuro por parte do erário”.
Já o parágrafo 9º estabelece que “decisões judiciais que
impliquem despesa em decorrência de obrigação de fazer, não fazer ou entregar
coisa somente serão cumpridas quando houver a respectiva e suficiente dotação
orçamentária”.
As medidas sugeridas pela PEC 188/2019 enfraquecem o
Judiciário e fortalecem exageradamente o Executivo, afirma o jurista Lenio
Streck. “Esse tipo de PEC torna o Executivo superpoderoso. Interfere em outros
poderes. O próprio parlamento, ao aprovar, estará interferindo no próximo parlamento.
O Judiciário ficará engessado, sim. O governo parece que deu um passo perigoso,
e talvez seja maior do que suas pernas alcancem. Decidiu atacar a
Constituição."
Ao limitar o alcance e eficácia de decisões judiciais, o
Executivo e o Legislativo violam os princípios da separação dos Poderes e da
universalidade da jurisdição, que atribui ao Judiciário o papel de guardião da
Constituição, avalia Pedro Estevam Serrano, professor de Direito Constitucional
da PUC-SP.
“Se o Judiciário determina que se deve pagar, é porque o
Direito determina o pagamento. Assim, não cabe ao legislador ordinário, que
estabelece a lei orçamentária, e ao Executivo, que a executa por atividade
administrativa, estabelecer limites ao cumprimento ou não de ordem judicial. A
PEC é inconstitucional, pois ataca cláusulas pétreas da Constituição Federal.
Sem lógica
Praticamente todas as decisões judiciais têm impacto
financeiro quando envolvem o poder público, ressalta Fernando Facury Scaff,
professor de Direito Financeiro da USP. No limite, aponta, essas restrições
podem atingir questões tributárias.
“Por exemplo, uma decisão em matéria tributária que mantenha
como válida uma renúncia fiscal. Isso impacta aquilo que se chama como gasto
tributário. Será que a pretensão da PEC é alcançar também esse tipo de
situação? Acho que não logrará êxito”, analisa o professor.
E essa limitação ao alcance e eficácia de decisões judiciais
é inócua. Afinal, se um juiz ordenar um pagamento retroativo de despesas com
servidores e a sentença for mantida pelas instâncias superiores, ela terá que
ser cumprida pelo Executivo ou Legislativo, diz Scaff.
O também professor de Direito Financeiro da USP José
Mauricio Conti tem visão semelhante. Como o Judiciário é o intérprete da
legislação, sustenta, é muito difícil fixar limites às suas decisões. Isso só
funciona se o Supremo Tribunal Federal reconhecer as restrições determinadas
pela norma.
Na verdade, diversas dessas limitações financeiras da PEC
188/2019 já existem em outras leis, destaca Conti. No entanto, o Judiciário
continua proferindo decisões que as desrespeitam. Até porque, ao determinar
algo, o juiz não sabe o impacto financeiro que aquilo pode ter. Mas esse
deveria ser um ponto prioritário, pois o Estado não tem condições de dar
eficácia a todas as ordens judiciais, afirma.
Nessa mesma linha, Ana Paula de Barcellos, professora de
Direito Constitucional da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro),
acredita ser preciso debater os custos dos direitos previstos por leis e
concedidos por decisões judiciais. Até porque, em geral, “quem vai ao
Judiciário e obtêm decisões contra o Poder Público não é a camada socialmente
mais carente e excluída da população”, ressalta.
Por Sérgio Rodas - correspondente da revista Consultor
Jurídico no Rio de Janeiro
Fonte: Consultor Jurídico