Correio Braziliense
- 18/11/2019
Economista Ana Carla Abrão: ''Reforma precisa valorizar
servidor''
Economista e ex-secretária de Fazenda afirma que a proposta
administrativa deve se concentrar em três pilares: corrigir as progressões
automáticas, adotar a avaliação por desempenho e gerir talentos
A economista Ana Carla Abrão bota o dedo na ferida do
serviço público brasileiro. Ex-servidora do Banco Central, secretária de
Fazenda do Estado de Goiás em 2015 e 2016, ela questiona pautas consideradas
sagradas pelo funcionalismo, como estabilidade, avaliação de desempenho,
estágio probatório, mobilidade, revisão das carreiras, do ponto de vista da
reserva de mercado, promoções e progressões automáticas.
Essas alterações, para
Ana Carla, são, acima de tudo, para o bem do próprio servidor, que tem sido apontado
como mão de obra cara, ineficiente e o principal responsável pelo rombo das
contas públicas. Ana Carla Abrão é economista formada pela Universidade de
Brasília (UnB). Na semana passada, expôs suas análises para a União dos
Analistas Legislativos da Câmara dos Deputados (Unalegis) e conversou com o
Correio. Leia os pontos defendidos pela especialista em setor público.
Reforma
Foi justamente depois que saí de Goiás que abracei a causa
da reforma do Estado. Porque entendi a qualidade dos nossos servidores e a
falta de condições de trabalho. A causa da reforma administrativa do Estado
está vinculada a uma motivação muito clara para mim: somos um país pobre, mais
da metade da população depende de serviços públicos básicos para ter o mínimo
de acesso à dignidade. O Brasil é o terceiro país mais desigual do mundo. Hoje,
uma pessoa que ganha R$ 10 mil mensais está no topo da distribuição de renda.
Não discuto salário de servidor. Temos distorções? Não tenho a menor dúvida.
Elas estão muitas vezes vinculadas aos salários iniciais, muito mais do que aos
salários finais. Mas, para mim, a discussão é o modelo que transformou a
máquina pública no Brasil muito ineficiente.
Produtividade
Não tem como aumentar a produtividade da economia sem
aumentar a do setor público. E isso está vinculado às despesas de pessoal, ou
seja, à capacidade de fazer mais com menos pessoas, até para valorizá-las e
pagá-las melhor. Não tem como alguém dizer que o professor no Brasil ganha bem.
Agora, alguém é capaz de dizer que temos o número de professores que deveríamos
ter? A todos os lugares que viajo neste Brasil, ouço que há 30% a mais do que a
gente precisaria. Talvez se tivéssemos menos professores, seríamos capazes de
pagá-los melhor. Mas precisaríamos de professores mais qualificados, mais
recursos para investir na qualificação e na condição de trabalho.
Erro sistêmico
O problema não é o servidor público. Temos que parar de
demonizar ou debitar tudo ao servidor público. O problema é operacional. Não se
valoriza quem trabalha mais, não se penaliza quem não trabalha. O sistema gera
uma série de condições compensatórias e penduricalhos justamente porque não
paga direito, não valoriza e não avalia. Temos que enfrentar essa discussão se
quisermos sair dessa armadilha. Querendo ou não, são 11,5 milhões de servidores
públicos, ou 13% do PIB alocados em salários e benefícios.
E a contrapartida
são serviços de baixa qualidade, não só para o cidadão, mas para o policial que
vai para a rua e morre, porque não tem condição de trabalho. É o professor que
não consegue dar aula, porque as escolas não funcionam. É o médico que chega ao
posto de saúde ou ao hospital público e não tem remédio para receitar à pessoa
que está morrendo na fila. O que mais a gente precisa esperar que aconteça para
entender que é um sistema que não está funcionando?
Insatisfação
O servidor público não está satisfeito, não está sendo
valorizado, ao contrário, tem sido responsabilizado. O problema não é falta de
recursos. E não é botando mais dinheiro que vamos resolver. A gente precisa
discutir, precisa rever, precisa reformar. Não conheço a reforma administrativa
que vai ser apresentada pelo governo, a não ser pelo que li nos jornais. Mas
ela vai abrir essa discussão, que tem que ser feita com os servidores, com os
sindicatos. É uma construção em conjunto. Mas o que tenho certeza é de que a
reforma administrativa não pode ser só daqui pra frente. Tem que discutir o
modelo atual. O Brasil não pode continuar como está. Precisamos reformar,
precisamos discutir, precisamos rever.
Progressões
Não tem como manter o crescimento vegetativo das promoções e...
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