Consultor Jurídico
- 05/12/2019
Uma das propostas polêmicas constantes da chamada PEC do
Pacto Federativo [1] (PEC nº 188/2019) reside na ampliação de competências do
Tribunal de Contas da União. De acordo com a proposta, caberá ao TCU consolidar
a interpretação das leis financeiras por meio de Orientações Normativas, que
teriam efeito vinculante em relação aos demais Tribunais de Contas. Da decisão
de Tribunal de Contas que contrariar a orientação normativa referida caberia
reclamação ao TCU, que poderia anular a decisão e fixar prazo para que outra
seja proferida.
A despeito dos muitos questionamentos de constitucionalidade
relativos a esta proposta, limito-me a tratar da importância da busca de
uniformidade na interpretação de determinados conceitos de direito financeiro,
em especial das despesas com pessoal, regidas pela Lei de Responsabilidade
Fiscal, em seus artigos 18 a 23. A falta de uniformidade na aplicação dos
conceitos da LRF relativos à despesa pública, em especial no pertinente à
despesa com pessoal, motivou a proposição da alteração do texto constitucional.
É fato que cada Tribunal de Contas possui autonomia para interpretação,
aplicação e controle das chamadas leis financeiras. Por outro lado, também é
fato que a consolidação das contas públicas no estado brasileiro, notadamente
marcado por um federalismo fiscal de receitas desequilibradas em favor da
União, assume importância para evitar distorções no sistema de distribuição e
redistribuição de receitas e também para o controle de limites. Com efeito,
para efeito de consolidação, comparação e mesmo para eventuais ajustes na
União, Estados e Municípios é preciso saber se estamos falando da mesma coisa
quando nos referimos a despesa total com pessoal.
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) definiu a despesa
total com pessoal (art. 18, caput)[2] de forma bastante abrangente. A mesma Lei
Complementar determina também (art. 18, § 1º) que os valores dos contratos de
terceirização de mão de obra que se refiram à substituição de servidores e
empregados públicos sejam contabilizados como Outras Despesas de Pessoal.
A questão é relevante, sobretudo no âmbito municipal, onde
realidades diferentes são verificadas na prestação de serviços ao Município.
Nos municípios, é comum a contratação de pessoas físicas para prestação de
serviços que, nos demais entes – Estados, Distrito Federal e União – são
executados por agentes públicos efetivos, selecionados mediante concursos
públicos. Advogados, contadores e médicos são exemplos de profissionais que
corriqueiramente possuem vínculo contratual com municípios, e não vínculo
celetista ou estatutário. A questão pode ser abordada sob diferentes pontos de
vista, inclusive no que se refere à identificação ou não da necessidade de
implementar carreiras de Estado para a execução de tais serviços, mas o foco
proposto neste ensaio é eminentemente financeiro. Com efeito, verificar como
são contabilizados esses gastos é importante para evitar o que comumente se
chama de maquiagem fiscal ou contabilidade criativa, expressões que refletem a
manipulação dos dados contábeis para mascarar uma dada realidade.
A questão central, percebe-se, é a classificação e
contabilização dos gastos com esses serviços prestados por terceiros, inclusive
por pessoas físicas (advogados, médicos, contadores, etc). Mais precisamente, a
celeuma envolve a classificação das despesas como Outras Despesas de Pessoal
(art. 18, §1º da LRF) ou como Despesas com Serviços de Terceiros (art. 72)
sendo que, nesta última hipótese, os gastos não seriam computados na despesa
total com pessoal; naquela outra, seriam mesmo que a contratação fosse
irregular. Caldas Furtado relembra [3] que a inclusão dos gastos com
terceirizados atuando em substituição de servidores e empregados no cálculo da
despesa total com pessoal busca evitar manobras para fugir do limite imposto
pela...
Leia a íntegra em Despesas com pessoal e criatividade contábil