Correio Braziliense
- 30/12/2019
A reforma administrativa deve ser prioridade do governo em
2020 e deve gerar atrito com servidores, que prometem resistir
Depois da aprovação da nova Previdência, um dos principais
desafios do governo para controlar as despesas públicas será fazer a reforma
administrativa. A expectativa era de que o texto fosse enviado ao Congresso
ainda neste ano, mas o Executivo não o entregou, ficando a missão, portanto,
para 2020. Entre os motivos para a demora está a pressão dos servidores para
barrar mudanças que alterem significativamente suas atribuições e benefícios. O
presidente Jair Bolsonaro chegou a dizer que a matéria ainda não tinha sido
enviada porque a equipe econômica estava aparando as “arestas”.
Relatório do Banco Mundial apontou que, em 2019, 44% dos
servidores receberam mais de R$ 10 mil por mês; 22%, mais de R$ 15 mil; e 11%,
mais de R$ 20 mil. Em 20 anos, o número de funcionários cresceu cerca de 84%,
passando de 6,26 milhões para 11,5 milhões, enquanto, no período, o aumento da
população foi de cerca de 30%.
O governo federal emprega cerca de 12% do total dos
servidores do país, mas é responsável por mais que o dobro (25%) do gasto total
com o funcionalismo público. O Banco Mundial estimou que, se fossem reduzidos
todos os salários iniciais a, no máximo, R$ 5 mil mensais e esticado o tempo
para chegar ao fim da carreira, seria possível economizar R$ 104 bilhões até
2030. Reduzir os atuais salários iniciais em 10% teria impacto financeiro
imediato de R$ 26,35 bilhões no período.
A intenção do governo é tentar fazer o dever de casa, por
meio da reforma administrativa, com redistribuição de receitas e flexibilização
do Orçamento, por meio de desvinculação, desobrigação e desindexação de gastos
(proposta apelidada de “plano DDD”). Entre as metas do Ministério da Economia
estão corte da quantidade de carreiras (de 117, com mais de 2 mil cargos, para
20 ou 30), revisão dos critérios de estabilidade dos atuais funcionários, fim
da estabilidade e salários menores para futuros servidores (de funções
operacionais mais simples) e criação da carreira de funcionário temporário e
sem estabilidade, uma espécie de trainee. O novo servidor deverá ser efetivado
após dois anos, se cumprir critérios de bom desempenho — e a regra valeria
também para juízes, procuradores e promotores.
O plano prevê ainda critérios objetivos de avaliação de
desempenho, com premiação dos bons servidores, demissão por atuação
insatisfatória e transferência de funcionários de um órgão para outro. Em
relação à remuneração, a intenção é aproximar os valores dos rendimentos do
funcionalismo ao dos trabalhadores da iniciativa privada em funções ou formação
acadêmica semelhantes. Também existe a intenção de revisar o sistema de
licenças e gratificações, o fim da progressão automática por tempo de serviço e
a regulamentação da lei de greve para o funcionalismo. (veja quadro ao fim da
matéria)
Bomba
O economista Marcos Mendes, consultor licenciado do Senado e
um dos idealizadores do teto de gastos, diz que as alterações são fundamentais.
Ele destaca que a grande dificuldade em fazer reformas foi se consolidando há
anos no país. Ao longo do tempo, os servidores armaram, contra a administração,
uma bomba que pode explodir a qualquer momento pelo excesso de poder que
conquistaram. “Poder que vem do direito de sindicalização e de greve, aliado à
estabilidade no emprego. É um modelo de gestão que soma judicialização com
autorização para mobilização”, critica. “Os servidores foram hábeis em criar
vitimização. A qualquer ameaça de mudança, dizem que surgiu mais um vampiro querendo
acabar com a vida deles.”
Já os altos salários provocam uma distensão no mercado de
trabalho. “Os jovens estudam com o único objetivo de fazer concurso”, afirma.
Quanto à estabilidade, ele acha que deve ser mantida apenas para carreiras de
Estado, como diplomata, juiz, auditor-fiscal, funções que não existem no setor
privado. As demais — médicos, professores, enfermeiros, entre outras — não
devem ter essa garantia, para facilitar a dispensa em casos de crise fiscal.
“Em uma cidade pequena, os prefeitos ficam reféns. Uma greve de policiais ou
médicos acaba com uma gestão e com a possibilidade de reeleição, por exemplo”,
argumenta.
Isso se transforma, conforme frisa Mendes, em uma
“judicialização negociada”. “Com anuência dos gestores dos órgãos públicos, que
defendem sua categoria. Não é que vão cometer erro de propósito, mas aceitam
interpretações”, ressalta. “O próprio Judiciário é muito corporativo. No
Brasil, alguns órgãos têm autonomia financeira. O orçamento deles é sagrado. É
um instrumento de apropriação da renda.” Por conta disso, os governos (federal,
estaduais e municipais) precisam de espaço para flexibilizar o emprego público
e enxugar a folha de pagamento. “Principalmente os estados, são os que mais
precisam fazer o dever de casa”, diz.
O que o governo quer mudar no funcionalismo
A reestruturação da administração federal faz parte do
programa de modernização do Estado. Muitas das propostas já estão em vigor e
têm amparo legal. Servidores, por exemplo, já podem ser demitidos, ou...