Blog do Vicente
- 05/02/2020
Os servidores públicos não economizaram na hora de fazer
dívidas ao longo de 2019. Dados do Banco Central mostram que as dívidas do
funcionalismo atingiram R$ 222,2 bilhões somente no crédito consignado, cujas
prestações são descontadas no contracheque. Um recorde.
As dívidas dos servidores no consignado aumentaram R$ 33,6
bilhões no ano passado. Isso significa dizer que eles contrataram R$ 2,8
bilhões em débitos por mês, na média, ou R$ 133,4 milhões por dia útil. O saldo
devido aos bancos no consignado cresceu 17,8% em relação a 2018.
Para se ter uma ideia do apetite dos servidores pelo
consignado, o aumento das dívidas no ano passado, de R$ 33,6 bilhões, é 46%
maior do que todos os débitos dos trabalhadores da iniciativa privada na mesma
modalidade de crédito, de R$ 23 bilhões. O que os servidores contrataram em um
mês de consignado foi quase todo o aumento do saldo devedor dos trabalhadores
do setor privado em 2019: R$ 2,8 bilhões contra R$ 3,4 bilhões.
Setor privado
Segundo os especialistas, essa discrepância ocorre porque os
bancos preferem concentrar os empréstimos no serviço público, devido à estabilidade
no emprego. Na iniciativa privada, o risco é maior, pois não há restrição para
demissões. Nesses casos, o calote é quase certo. O Brasil contabiliza hoje
quase 12 milhões de desempregados.
Pelos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), o Brasil tem cerca de 11,5 milhões de servidores. Dividindo
a dívida do consignado por eles, é como se cada um devesse aos bancos, em
média, R$ 19.138. Esse valor corresponde a cinco vezes o salário médio recebido
pelo funcionalismo, de R$ 3.716.
Na Esplanada dos Ministérios, são muitos os relatos de
superendividamento dos servidores. “Sabemos de colegas que estão passando por
sérias dificuldades por causa do excesso de dívidas. Primeiro, começaram com o
consignado. Depois, mergulharam no empréstimo pessoal, no cartão de crédito e
no cheque especial”, diz uma servidora do Ministério da Economia.
Para ela, o governo deveria controlar melhor o nível de
dívidas contraídas pelos servidores. “Infelizmente, no máximo, o governo só
consegue saber o que os funcionários públicos devem no consignado, porque isso
está registrado nos contracheques. Mas nem isso é olhado com rigor”, acrescenta
a mesma servidora.
Casos de depressão
Uma funcionária do Ministério da Cidadania conta que são
muitos os casos de depressão dentro do governo por causa do endividamento
excessivo. “Nesses casos, as faltas são frequentes. Basta ir às áreas de
Recursos Humanos dos ministérios para ouvir relatos de superendividamento de
servidores”, afirma.
Um servidor da Polícia Federal ressalta que os problemas de
dívidas em excesso são frequentes mesmo entre os servidores que ganham muito
bem. “Sei de pessoas que ganham R$ 30 mil por mês, mas devem R$ 700 mil ou mais
a bancos. E, nessa conta, não há financiamento da casa própria. Ou seja, é
dívida para consumo ou emergências”, frisa.
Na avaliação de educadores financeiros, é preciso muita
cautela na hora de se fazer dívidas, mesmo no caso dos servidores, que têm
estabilidade no emprego. Os juros no consignado, por exemplo, são, na média, de
21,4% ao ano para o funcionalismo público. Mas nenhuma carreira está tendo
aumento salarial nesta proporção.
Os exageros, lembram os especialistas, sempre resultam em
calote. Levantamento do professor Ricardo Rocha, do Insper, aponta que o Brasil
tem mais de 60 milhões de inadimplentes. Se esse grupo formasse um país, seria
maior do que a Espanha ou a Colômbia.