BSPF - 06/03/2020
MP 922: contrato temporário ou minirreforma administrativa
- MP promove uma Minirreforma Administrativa
- Outros poderes poderão contratar nas áreas mencionadas
- Ampliou o escopo do excepcional interesse público
- Dá plenos poderes para contratar temporariamente em
diversos setores
- Incluiu todas as possibilidades de contratação de pessoal
que necessite ao longo dos próximos anos
- Livrou-se, com isso, do concurso público e da contratação
permanente
MP promove Minirreforma Administrativa na medida em que fica
autorizado a contratar temporariamente em diversas áreas, incluindo
pesquisadores, professores, profissionais de saúde, nacional ou estrangeiro, e
pessoal da área de tecnológica (leia-se automação e digitalização de serviços
públicos) ao longo de todo o mandato, e que contraria princípios elementares da
Administração Pública.
Para resolver situação emergencial — a fila de pedidos de
aposentadoria do INSS e do Bolsa Família —, o governo aproveitou a oportunidade
para promover uma minirreforma administrativa, editando a MP (Medida
Provisória) 922/20, que escancara a contratação temporária, permitindo que o
Poder Executivo, bem como outros poderes e órgãos, possam fazer uso dessa para
contatar pessoal sem concurso e sem estabilidade.
A MP altera a Lei 8.745, de 1993, que dispõe sobre a
contratação por tempo determinado para atender necessidade temporária de
excepcional interesse público, nos termos do inciso IX do artigo 37 da
Constituição Federal, hipótese em que também se aplica à Administração Pública
direta e indireta de qualquer dos poderes da União. Embora se destine
prioritariamente ao Poder Executivo, nada impede que outro Poder possa valer-se
da lei para também contratar nas áreas mencionadas pela mesma modalidade de
contrato.
Ampliação do escopo
A contratação temporária, que deveria ficar limitada às
situações realmente de excepcional interesse público, teve seu escopo ampliado
pela MP. De tal modo que alcança diferentes situações, sendo algumas dessas de
caráter emergencial, e outras sem esse caráter, como as que estão associadas ao
aumento temporário do volume de trabalho, como as atividades de tecnologia da
informação, de comunicação e de revisão de processos de trabalho, incluindo a
contratação de pesquisadores e técnicos para o desenvolvimento de produtos e
serviços em projetos com prazo determinado, e até atividades relacionadas à redução
de passivos processuais.
Se aprovada nos termos propostos, a ampliação da contratação
temporária autorizada na MP 922, combinada com a terceirização irrestrita já em
vigor desde a gestão Temer, dá ao governo Bolsonaro plenos poderes para
contratar temporariamente em diversos setores, prescindindo da contratação
permanente. E, em muitos casos, até mesmo dispensando-o da realização de
processo seletivo.
O recrutamento, no âmbito da contratação temporária, que
ficará limitado aos poucos casos em que não for classificado como emergência,
será feito por processo seletivo simplificado, sem concurso público, e,
dependendo da área, o contrato temporário poderá ter duração de 6 meses a 4 ou
5 anos, com possibilidade de prorrogação de 1 ano. Mas, em pelo menos 1 caso,
os contratos poderão vigorar por até 8 anos!
Entretanto, quando se tratar de calamidade pública,
emergências em saúde pública, em crime ambiental, em questão humanitária e
situação de iminente risco à sociedade prescinde-se de processo seletivo,
cabendo ao governo promover a imediata contratação, sem qualquer outra
exigência de natureza legal.
Contratação de aposentados
Além disso, a MP prevê que poderão ser contratados
servidores aposentados para exercer atividades temporárias de excepcional interesse
público, nas alargadas hipóteses propostas pela própria MP.
Com isso, essa rompe não somente com o princípio do amplo e
livre acesso a cargos, empregos e funções públicas, e que não se coaduna com a
reserva de vagas para quem tenha sido servidor público, como gera uma situação
de exploração de servidores que, ao reingressarem, passaram a receber apenas
30% da remuneração a que faria jus outra pessoa não detentora daquela condição.
A analogia com a situação dos militares, que têm na Lei
13.954, regulada pelo Decreto 10.210, a previsão de que poderão ser contratados
para o desempenho de atividades de natureza civil em órgãos públicos em caráter
voluntário e temporário, fazendo jus a adicional igual a 3/10 da remuneração
que estiver percebendo na inatividade, não serve como base a tal solução, pois
a Lei 13.954 é inconstitucional, à luz do artigo 37, II da CF.
Nesse sentido, o procurador do Ministério Público no TCU
ingressou com representação para declaração de inconstitucionalidade da regra,
que sequer atende ao artigo 37, IX da Constituição.
Em diversas ações de inconstitucionalidade, o STF decidiu
que, para que se considere válida a contratação temporária, é preciso que:
1) os casos excepcionais estejam previstos em lei;
2) o prazo de contratação seja pré-determinado;
3) a necessidade seja temporária;
4) o interesse público seja excepcional; e
5) a necessidade de contratação seja indispensável, sendo
vedada a contratação para os serviços ordinários permanentes do Estado, e que
devam estar sob o espectro das contingências normais da Administração.
No caso de atividades permanentes, em que haja insuficiência
de pessoal, ou mesmo no caso de criação de novos órgãos ou entidades, admite-se
a contratação temporária, mas por prazo suficiente à formação de quadro de
pessoal suficiente, mediante a realização de concurso público (ADI 3.068-DF,
julgada em 2004).
No caso da MP 922, e sem respeitar os requisitos de validade
para a contratação temporária, conforme definidos pelo STF, o que se tem é uma
situação de discriminação em relação à situação de normalidade, em que quem é o
contratado faz jus a remuneração integral, equivalente à de cargo efetivo
similar ao cargo temporário ocupado.
O aposentado, ao ocupar a vaga, que deveria ser provida por
concursado, ou mesmo aberta à livre competição entre os interessados, no caso
de processo seletivo para contrato temporário, estará recebendo menos de 1/3 do
que seria devido, pelo mesmo trabalho.
Sem concurso público
O governo, portanto, aproveitou a edição da MP para incluir
todas as possibilidades de contratação de pessoal que necessite ao longo dos
próximos anos, livrando-se do concurso público e da contratação permanente, e
contratando pessoal sem estabilidade, o que aumenta a vulnerabilidade do
servidor a pressões indevidas no exercício de suas atividades.
Deste modo, promove uma Minirreforma Administrativa na
medida em que fica autorizado a contratar temporariamente em diversas áreas,
incluindo pesquisadores, professores, profissionais de saúde, nacional ou
estrangeiro, e pessoal da área de tecnológica (leia-se automação e
digitalização de serviços públicos) ao longo de todo o mandato, e que contraria
princípios elementares da Administração Pública.
Por Antônio Augusto de Queiroz e
Luiz Alberto dos Santos
Antônio Augusto de Queiroz - Jornalista, consultor e analista
político, mestrando em Políticas Públicas e Governo na FGV, diretor de
Documentação licenciado do Diap e sócio-diretor das empresas “Queiroz
Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais” e “Diálogo
Institucional Assessoria e Análise de Políticas Púbicas”.
Luiz Alberto dos Santos - doutor em Ciências Sociais, mestre
em Administração Pública, advogado e consultor legislativo do Senado Federal. É
professor da Ebape-FGV e da Enap. Ex-subchefe da Casa Civil da Presidência da
República.
Fonte: Agência DIAP