BSPF - 05/03/2020
Auditor reclama de falta de estudos do governo sobre impacto
no PIB. Avaliação é de que redução dificulta retomada da economia e desorganiza
a administração pública
Em tramitação no Senado Federal, a PEC Emergencial entregue
pelo governo propõe redução de 25% dos salários dos servidores, com redução
proporcional de jornada, e congelamento de remunerações pelos próximos sete
anos. Segundo o Auditor Federal de Finanças e Controle da Secretaria do Tesouro
Nacional, Bráulio Cerqueira, o governo não estimou, na proposta, os impactos da
redução de salários dos servidores no PIB nacional. Segundo o especialista, a
consequência imediata é a perda de produtos no curto prazo, o que intensificará
a crise econômica brasileira.
A fala foi proferida nesta quarta-feira, 5, durante o
Seminário "Plano Mais Brasil em debate: a PEC Emergencial", que
tratou especificamente da PEC 186/2019. O evento foi realizado pela Arca -
Carreiras Públicas pelo Desenvolvimento Sustentável e pela Associação Nacional
dos Servidores da Carreira de Planejamento e Orçamento (Assecor), e aconteceu
na Câmara Federal. De acordo com Cerqueira, não há nenhum dado divulgado sobre
uma possível economia real com a PEC Emergencial.
Na prática, se aprovada, a proposta pode significar, para os
servidores públicos da União, perda de metade do poder de compra dos
trabalhadores. "Com redução salarial de 25% e inflação de 4,5% ao ano, ao
longo de 7 anos, haverá redução de metade do poder de compra dos servidores até
2026. Algumas pessoas vão argumentar que os servidores ganham bem, mas a média
salarial dos trabalhadores da administração pública é de R$ 3.800. Esse valor
será reduzido pela metade", alerta.
Apesar das regras da PEC indicarem fim em 2022, Bráulio
Cerqueira avalia que o texto terá vigência até 2026 por ordem do Teto de Gastos
e também da Regra de Ouro. No cenário previsto pelo Auditor, haverá
dificuldades de retomada da economia no Brasil e intensa desorganização da
administração pública. "Quando se fala de servidores públicos, é preciso
dizer para a sociedade que eles se concentram em saúde, educação, segurança e
assistência para a população. É isso que será perdido", argumenta.
Esvaziamento de atendimentos
De acordo com a equipe do ministro Paulo Guedes, a mudança
proposta pela PEC Emergencial representaria economia de R$ 7 bilhões ao ano,
entretanto o que é central é a diminuição do atendimento ao público e da
velocidade de andamento de processos internos. Sem concursos e com congelamento
de remunerações, os efeitos do texto são disruptivos e disfuncionais para a
economia, segundo avaliação do Seminário. "O que a PEC fundamentalmente
faz é propor a radicalização das políticas já existentes de austeridade
[compressão permanente do gasto público] e de redução do Estado", afirma
Bráulio.
Para o Auditor, é preciso fazer o País crescer e isso só é
possível com injeção de investimentos públicos. O especialista criticou o
discurso construído pelo governo de que gastos públicos são algo negativo. O
Secretário-geral da Condsef/Fenadsef, Sérgio Ronaldo da Silva, concorda com a
análise. "Gasto público não é gasto irresponsável, é investimento em
saúde, educação, assistência à população necessitada. No País desigual em que
vivemos, querer encerrar os serviços públicos gratuitos é crime, é atropelo das
garantias previstas na Constituição Federal", denuncia.
"A PEC 186 é a redução dos atendimentos públicos. Isso
tem que ficar bem claro. Não se trata de redução de salários. Se hoje o médico
trabalha 8 horas, vai passar a trabalhar seis. Se hoje pessoas já morrem em
filas de hospitais sem atendimento, vai piorar. É redução da carga horária de
professores, o que significa menos educação. É menos bombeiros a postos",
alerta José Oreiro, professor da Universidade de Brasília.
Intensificação da crise
Para os participantes do Seminário, o Plano Mais Brasil, em
vez de contribuir para a recuperação da economia, antecipa e aprofunda a crise.
O professor Oreiro chamou atenção para a quantidade de pessoas em situação de
rua, visível em todas as cidades brasileiras. Com desemprego em 12%,
instabilidade econômica, altos níveis de informalidade e piora das contas
externas, a previsão, com a redução dos atendimentos públicos, é de piora da
conjuntura.
"O que as PECs estão fazendo é destruir o Estado
brasileiro. É isso que temos que alertar a sociedade. Estamos em um embate
entre a civilização e a barbárie", afirma Oreiro. Para Cerqueira, a
proposta é uma aberração em termos de gerenciamento das políticas públicas por
desvincular as receitas dos programas que precisam de receitas, acabar com o
planejamento e flexibilizar despesas em educação e saúde. "A realidade é
que o SUS perdeu milhões no ano passado e o sarampo voltou; a realidade é que
há uma fila de um milhão de novos necessitados do Bolsa Família; a realidade é
que 200 mil servidores já podem se aposentar e o governo, se contratar, quer
que sejam contratos temporários", critica Bráulio.
Com informações da Condsef/Fenadsef