BSPF - 14/03/2020
Reforma inspirada pelos valores e princípios da república
Por uma Reforma Administrativa republicana, democrática e
desenvolvimentista
É preciso um combate sem tréguas aos privilégios, à
injustiça e à corrupção, aliado às medidas de profissionalização e valorização
da ocupação no (e do) serviço público, tais que uma verdadeira política de
recursos humanos esteja ancorada e seja inspirada pelos valores e princípios da
república, da democracia e do desenvolvimento nacional.
O Brasil encontra-se, mais uma vez em sua história, diante
de desafios e escolhas irreconciliáveis. Ou se submete aos processos de
moralização arcaica dos costumes, valores antidemocráticos e criminalização da
política, sindicatos e movimentos sociais, ou se levanta e luta. Ou adota o
caminho da mediocridade e da subalternidade econômica, política e social, mas
também intelectual, moral e cultural, ou se reinventa como Nação para
reescrever o seu próprio destino histórico.
Esta introdução em tom de alerta é importante porque para
debater tais desafios e lutar por um serviço público de qualidade no Brasil, é
preciso ter claro que em todas as experiências internacionais exitosas de
desenvolvimento, é possível constatar o papel fundamental do ente estatal como
produtor direto, indutor e regulador das atividades econômicas para que essas
cumpram, além dos seus objetivos microeconômicos precípuos, objetivos
macroeconômicos de inovação e inclusão produtiva e de elevação e homogeneização
social das condições de vida da população residente em território nacional.
Para tanto, é necessário constatar haver relação positiva
entre o ente estatal, a organização pública e o desenvolvimento inclusivo,
relação essa que passa por uma compreensão acurada e uma ação política e
governamental consciente acerca das seguintes dimensões relevantes da
Administração Pública federal:
1) estrutura, organização e marcos legais;
2) seleção e formação de pessoas;
3) interfaces sócio-estatais;
4) interfaces federativas;
5) interfaces entre poderes;
6) arrecadação, financiamento, orçamentos e gastos públicos;
e
7) planejamento, regulação, gestão e controle. Este é o
escopo necessário para discussão qualificada acerca do peso e papel que o
Estado deve possuir e desempenhar no campo do desenvolvimento brasileiro no
século 19.
Ademais, se é verdade que o desenvolvimento brasileiro no
século 21 deve ser capaz de promover, de forma republicana e democrática:
1) governabilidade e governança institucional;
2) soberania, defesa externa, segurança interna e integração
territorial;
3) infraestrutura econômica, social e urbana;
4) produção, inovação e proteção ambiental;
5) promoção e proteção social, direitos humanos e
oportunidades adequadas à toda população residente, então o desenho
organizacional do Estado brasileiro deve possuir tantas carreiras estratégicas
quanto as quais sejam necessárias para atender a essas grandes áreas de atuação
governamental.
Este é o escopo necessário para discussão qualificada acerca
do perfil e atuação que carreiras estratégicas no setor público devem possuir e
desempenhar no campo do desenvolvimento brasileiro no século 21.
Neste sentido, há 5 fundamentos históricos da ocupação no
setor público, presentes em maior ou menor medida nos Estados nacionais
contemporâneos, que precisam ser levados em consideração para boa estrutura de
governança e por incentivos corretos à produtividade e ao desempenho
institucional satisfatório ao longo do tempo. São esses:
1) estabilidade na ocupação, idealmente conquistada por
critérios meritocráticos em ambiente geral de homogeneidade econômica,
republicanismo político e democracia social, visando a proteção contra
arbitrariedades — inclusive político-partidárias — cometidas pelo
Estado-empregador;
2) remuneração adequada e previsível ao longo do ciclo
laboral;
3) qualificação elevada e capacitação permanente no âmbito
das funções precípuas dos respectivos cargos e organizações;
4) cooperação — ao invés da competição — interpessoal e
intra/inter organizações como critério de atuação e método primordial de
trabalho no setor público; e
5) liberdade de organização e autonomia de atuação sindical.
Desta maneira, o aumento de produtividade e a melhoria de
desempenho institucional agregado do setor público será resultado desse
trabalho difícil, mas necessário, de profissionalização da burocracia pública
ao longo do tempo. Não há, portanto, choque de gestão algum que supere ou
substitua o acima indicado.
Por isso, uma verdadeira política nacional de recursos
humanos no setor público deve ser capaz de promover e incentivar a
profissionalização da burocracia pública a partir do conceito de ciclo laboral
no setor público, algo que envolve as seguintes etapas interligadas
organicamente:
1) seleção;
2) capacitação;
3) alocação;
4) remuneração;
5) progressão;
6) aposentação.
Ademais, deve atentar para os fatores que realmente garantem
ganhos de produtividade e de desempenho institucional no Setor Público:
1) ambiente de trabalho;
2) incentivos não pecuniários e técnicas organizacionais;
3) trilhas de capacitação permanente;
4) critérios para avaliação e progressão funcional;
5) remuneração adequada e previsível;
6) fundamentos da estabilidade e critérios justos para
demissão;
7) condições de realização dinâmica e retroalimentação
sistêmica entre as dimensões citadas.
Este é o escopo necessário para uma discussão qualificada
acerca do ciclo laboral no setor público e suas relações com os temas e
objetivos da produtividade e do desempenho institucional do Estado brasileiro
no século 21.
Tudo somado cabe então perguntar: quais as bases
institucionais e políticas para um serviço público de qualidade no Brasil?
Não deve haver dúvida de que a resposta passa pela
republicanização e pela democratização das estruturas e formas de funcionamento
dos aparatos governamentais, com planejamento governamental participativo,
gestão pública democrática, controles burocráticos do Estado voltados para a
transparência dos processos decisórios, efetividade das ações públicas e
institucionalização da participação social em todas as etapas dos circuitos
decisórios das políticas públicas.
Para tanto, a reforma tributária necessária deve ser
progressiva na arrecadação e redistributiva no gasto. Ademais, há que se
promover a refundação democrática das organizações político-partidárias e a
criação de novos mecanismos de representação e deliberação coletivas.
É preciso um combate sem tréguas aos privilégios, à
injustiça e à corrupção, aliado às medidas de profissionalização e valorização
da ocupação no (e do) serviço público, tais que uma verdadeira política de
recursos humanos esteja ancorada e seja inspirada pelos valores e princípios da
república, da democracia e do desenvolvimento nacional.
Por José Celso Cardoso Jr. – Presidente da Afipea-Sindical.
PHD em Governo e Políticas Públicas pela Universidade Autônoma de Barcelona,
doutor em Desenvolvimento pelo IE-Unicamp. Desde 1997 é Técnico de Planejamento
e Pesquisa do Ipea.
Fonte: Agência DIAP