Consultor Jurídico
- 11/10/2021
O objetivo deste artigo é tentar contextualizar a reforma
administrativa do governo Bolsonaro à luz da evolução da Administração Pública
ao longo do tempo, com seus avanços e retrocessos. A Administração Pública
começou como um modelo patrimonialista, evoluiu para o modelo burocrático,
experimentou o modelo gerencial e chegou aos modelos de governança pública e de
governança da era digital, que estão em voga no mundo na atualidade. A reforma
administrativa, de que trata a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 32/2020,
não se enquadra em nenhum desses modelos, embora pretenda incorporar elementos
da governança digital.
Para situar o debate da reforma administrativa no contexto da Administração Pública, que está em sua quarta geração ou no seu quarto modelo, é fundamental conhecer os fundamentos, critérios e características de cada um desses modelos, a começar do patrimonialista. Esses modelos ou fases da Administração Pública coexistiram em algum momento de sua implementação, dependendo do país, e, no Brasil, ainda coexistem.
O modelo patrimonialista, que vigorou na Europa do século 15 ao 18, tinha como fundamento a crença na tradição, nos costumes da época, ditado pelos monarcas, e que foi praticado no Brasil nos períodos do Império e da República Velha. Trata-se de um modelo marcado por castas, laços de sangue, nepotismo, clientelismo, em que o monarca e os integrantes do estamento que geriam o Estado dispunham, em caráter pessoal e como propriedade, das rendas, dos cargos e dos bens públicos. Foi um modelo marcado pela ineficiência, má gestão, corrupção e total ausência de mecanismos de prestação de contas, além de elitista e autoritário. Suas principais características eram o poder despótico dos governantes, o caráter hereditário do poder, a ausência de separação entre governo e religião, assim como entre o público e o privado, além da existência de lealdade política entre o Estado e os grupos privados mais fortes. Foi sucedido pelo modelo burocrático.
O modelo burocrático, descrito como "tipo ideal" por Max Weber, por sua vez, desenvolveu-se ao longo da história, como exemplifica a China, sob o confucionismo, e consolidou-se no mundo, a partir das experiências de países como França, Inglaterra e Alemanha, da segunda metade do século 19 até o final dos anos de 1970. Implementado tardiamente, e de forma incompleta, em países como o Brasil, onde ainda vigora precariamente, tem como fundamento a crença na razão, na prevalência do racional-legal. Esse modelo tenta romper com as práticas do modelo anterior, adotando a lei como expressão da vontade coletiva e pública, eliminando a supremacia da vontade do governante sobre a lei e separando os interesses pessoais do detentor do poder e do interesse público, especialmente no manuseio dos arranjos institucionais, de regras legais e do orçamento público para satisfazer necessidades humanas, estruturar as interações sociais e organizar os processos de tomada de decisão.
Trata-se de um modelo de Administração Pública com fundamento nos princípios do formalismo, da impessoalidade e do profissionalismo, na qual prevalecem os controles formais dos processos de decisão, a hierarquia funcional rigorosa, a previsão de rotinas e procedimentos. Os servidores públicos são recrutados por concurso público, de forma impessoal, valorizando o conhecimento aferido em provas, e têm estabilidade no emprego, como forma de assegurar a impessoalidade e a continuidade na prestação de serviços públicos.
Entretanto, com a crise do Estado nas dimensões econômica,
social e administrativa, o modelo burocrático passou a ser questionado, sendo
associado à rigidez administrativa, excesso de poder para os funcionários, desperdício
de recursos e...
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