segunda-feira, 29 de junho de 2009

A política fiscal anticíclica e a herança dos gastos correntes

Valor Econômico - 29/06/2009

De janeiro a maio, as receitas totais do Tesouro Nacional somaram R$ 288,73 bilhões, queda nominal de 0,85% em comparação com o mesmo período de 2008. As despesas totalizaram R$ 215,2 bilhões, aumento de 18,6% em relação a igual período do ano passado. O superávit primário do governo central, portanto, caiu de R$ 53,5 bilhões nos cinco meses de 2008 para R$ 19,3 bilhões nos cinco meses deste ano.
O anúncio do resultado do governo central, que envolve as contas do Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central, na semana passada, foi acompanhado de uma garantia dada pelo secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, de que não há risco de o governo descumprir a meta de superávit consolidado do setor público, de 2,5% do PIB este ano. De janeiro a maio, o resultado foi de 1,63% do PIB em comparação com 4,68% do PIB registrado no mesmo período de 2008.
Não há questionamento sobre o acerto da iniciativa do governo de reduzir a meta fiscal deste ano - era originalmente de no máximo 3,8% e, no mínimo, 3,3% do PIB - para elevar o gasto público e se contrapor aos efeitos recessivos da crise financeira mundial. A opção por uma ação anticíclica, onde o Estado aumenta seus gastos em momentos de queda do nível de atividade doméstica, é absolutamente compreensível e aceita como instrumento para mitigar os prejuízos econômicos e sociais de uma crise, principalmente quando esta é de dimensões jamais vistas.
Existem, porém, dúvidas sobre o foco que a política fiscal expansionista fiscal mirou. O aumento das despesas da União foi principalmente nas rubricas mais pesadas do orçamento - folha de pagamento de pessoal e benefícios previdenciários - e já estavam praticamente definidos antes do agravamento da crise (em meados de setembro de 2008). A proposta de lei orçamentária, enviada ao Congresso em agosto, contemplava esses aumentos num cenário em que a economia crescia, na margem, mais de 6%.
O gasto com pessoal saiu de R$ 49,5 bilhões nos primeiros cinco meses do ano passado (4,34% do PIB) para R$ 60,78 bilhões neste ano (5,14% do PIB). Crescimento decorrente de uma generosa reestruturação de carreiras no setor público que começou a ser paga neste ano e que ainda renderá despesas adicionais nos próximos três anos. A previdência social teve seus gastos aumentados principalmente pelo reajuste de 11,9% do salário mínimo em 2009, frente a 9,21% no ano anterior, que elevou também as despesas com benefícios da assistência social (Loas) e do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). O pagamento de benefícios do INSS subiu de 6,28% do PIB para 7,35% do PIB na mesma comparação.
As desonerações de impostos por seis meses para setores prejudicados pela crise, como a indústria automobilística, eletroeletrônicos e materiais de construção civil, devem custar aos cofres públicos, em renúncia de receitas, não mais do que R$ 2 bilhões. E os investimentos, tão necessários no curto prazo para movimentar a economia e, no médio e longo, para reduzir o esquecido "Custo Brasil" e melhorar a capacidade do país crescer, tiveram aumento de apenas R$ 1,8 bilhão nesse período, em relação ao realizado em idêntico período de 2008.
O governo avançou institucionalmente com a criação do Fundo Soberano, que se tornou um instrumento para sustentar ações anticíclicas agora e no futuro.
A prática, porém, recomenda que essas políticas devem servir para os dois lados: formar uma poupança com a contenção de gastos nos momentos de crescimento econômico; e usar os recursos economizados na bonança para enfrentar os períodos de vacas magras, quando cai a arrecadação tributária pela diminuição da atividade produtiva e o desemprego aumenta .
O governo, contudo, escolheu elevar substancialmente os gastos correntes, especialmente em rubricas que representam despesas permanentes e irredutíveis, como a folha de pagamento, num momento em que a prosperidade parecia um bem eterno. Agora, quando a receita se mostra aquém das projeções oficiais para o ano, ensaia novos cortes de gastos.
A escalada dos gastos correntes, que crescem ininterruptamente há vários anos pela vontade dos governos passados e do atual, ficará como uma herança para o presidente que assumir em 1 de janeiro de 2011.
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