Paloma Suertegaray
Correio Braziliense
- 24/08/2014
Estudo do Inep mostra que transtornos mentais e
comportamentais aparecem como as principais causas para as faltas nos órgãos de
governo no Distrito Federal. Especialistas recomendam troca de emprego e, em
casos graves, ajuda profissional
José Henrique de Souza Nascimento, 34 anos, começou a
trabalhar como gerente de expediente no Banco do Brasil em 2002. No início,
tudo corria bem, mas não demorou para o cansaço começar a se acumular.
"Eram muitas tarefas e procedimentos para fazer todos os dias. Foi ficando
cada vez mais difícil", relata. À procura por melhores oportunidades,
prestou concursos até passar para o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em 2010. "Foi quando a situação
começou a piorar. A responsabilidade assumida era grande, e eu me cobrava
demais", conta. Com o aumento do estresse, José Henrique decidiu procurar
ajuda profissional e, mais uma vez, trocar de emprego.
Pressão, trabalho em excesso e ambiente desgastante. Quem
acha que a vida de Servidor Público é apenas tranquilidade, engana-se.
Situações como a do gerente se repetem entre trabalhadores de todos os órgãos.
Pesquisa da Subsecretaria de SAÚDE, Segurança e Previdência dos Servidores
(Subsaúde), aponta que, pela primeira vez, transtornos mentais e comportamentais
- como estresse, depressão e síndrome do pânico - são a principal causa da
falta de servidores. No DF, essas doenças correspondem a cerca de 60% dos
motivos de afastamento. Em segundo lugar, fica o mal-estar relacionado a dores
musculares, como Lesão de Esforço Repetitivo, que, tradicionalmente, era a
razão das ausências.
O estudo foi apresentado no início do mês e focou nos
Servidores Públicos estatutários - não foram incluídas as polícias Civil e
Militar nem o Corpo de Bombeiros. Além do DF, a pesquisa incluiu Santa
Catarina, Rio Grande do Sul e Espírito Santo. Nos estados da Região Sul,
doenças mentais também ocupam o primeiro lugar do ranking. No Espírito Santo,
devido à concentração de fábricas de cimento, problemas respiratórios encabeçam
a lista.
Segundo a subsecretária da Subsaúde, Luciane Kozicz,
funcionários públicos sempre sofreram com o estresse e a depressão, causados
pela rotina profissional. O que mudou foi que, agora, mais pessoas sentem
liberdade para falar a respeito. "Esse tipo de problema é, frequentemente,
objeto de estigmatização, já que os sintomas não são fáceis de identificar.
Muitas pessoas podem, por exemplo, não entender por que um colega está
faltando, sendo que não estava visivelmente doente, e acabar criando
ressentimento", explica. Hoje, com mais informação sobre as diferentes
doenças psicológicas, a percepção mudou e há mais abertura para conversar sobre
o assunto.
Reclamações
Entre as principais queixas dos servidores, estão falta de
comunicação, gestores despreparados, normas rígidas, sentimento de estar
afastado do planejamento e ausência de vocação. "A burocracia excessiva e
a verticalização do trabalho fazem, muitas vezes, com que os funcionários se
distanciem de sua atividade e achem que ela não tem sentido", explica
Luciana. Um dos dilemas mais comuns, por exemplo, é que os servidores se sintam
desmotivados devido às periódicas alterações na rotina profissional decorrentes
da mudança de governo, de quatro em quatro anos. "Eles passam a acreditar
que o esforço dedicado ao trabalho foi em vão", conta a subsecretária.
Frustração e sentimento de estagnação também aparecem entre
os motivos que podem levar à depressão e ao estresse. "Essas pessoas
estudam e batalham para, uma vez que passaram no concurso, se virem carimbando
ou arquivando documentos. Elas não se sentem reconhecidas e sentem falta de
novos desafios", revela Luciana. É comum ainda que jovens assumam cargos
públicos importantes e que, então, acabem desconfortáveis por se acomodarem tão
cedo. "Depois de alcançar a conquista de ser aprovado e de ter
estabilidade, vários se perguntam o que vem a seguir. Isso pode gerar bastante
insatisfação", completa.
Palavra de especialista
Soluções efetivas
"No funcionalismo público, qualquer mudança que gere
insegurança pode afetar a performance e o resultado dos servidores, como
mudanças na liderança ou das regras políticas. Para propor soluções efetivas, é
preciso entender algumas coisas. O estresse sempre existirá no ambiente de
trabalho. A forma de lidar com ele é que pode influenciar positivamente ou
negativamente a SAÚDE e a performance dos trabalhadores.
O prazer ou o desprazer no trabalho está diretamente
relacionado ao quão engajado está o servidor com a atividade ou o cargo, isto
é, quanto o funcionário usa suas forças e seus talentos e se sente desafiado e
reconhecido. Para diminuir o estresse ou o desprazer, não basta eliminar as
causas externas. É necessário o foco no processo de interpretação da realidade
e no aumento de engajamento e de uso de talentos no ambiente de trabalho.
Nesse sentido, os líderes devem saber extrair o melhor de
cada profissional, identificando suas habilidades, desenvolvendo suas forças,
definindo metas e desafios na medida certa e utilizando as pessoas nas posições
corretas."
Flora Victoria, presidente de SBCoaching Empresas e
especialista em bem-estar no ambiente de trabalho
Esporte, família e lazer
Para lidar com o estresse causado pela rotina no Inep, José
Henrique começou a fazer terapia, em 2012. Os resultados, conta ele, foram mais
do que positivos. "Ajudou-me a entender que eu me pressionava muito",
detalha. Em busca de incrementar a qualidade de vida, mudou de emprego mais uma
vez. Em junho deste ano, assumiu o cargo de analista judiciário no Superior
Tribunal Militar. "Os horários e o ambiente de trabalho são melhores.
Estou muito mais satisfeito."
Procurar ajuda profissional é uma das recomendações para
aqueles servidores que se sentem sobrecarregados (leia Trabalho com SAÚDE).
"É comum que as pessoas invistam demais no trabalho e, quando algo dá
errado, ficam desestabilizadas. Fazer terapia pode ajudar a achar um equilíbrio
nesse sentido", explica o psicólogo Valmor Borges. Para diminuir o risco
de sofrer com o estresse ou a depressão, ele recomenda dividir o tempo com
atividades que não estejam relacionadas à carreira. "Fazer esportes,
dedicar tempo à família e aos amigos e planejar viagens são algumas ações que
podem trazer um grande aumento de bem-estar", cita.
De acordo com Valmor, em situações mais graves, medidas mais
drásticas podem ser necessárias. "Se a pessoa sente que o ambiente de
trabalho se tornou extremamente opressor e agressivo, é aconselhável que ela se
afaste da função até se recuperar. Em algumas ocasiões, pode ser melhor mudar
de profissão", sugere. O psicólogo acrescenta que, caso a doença chegue ao
ponto de comprometer de forma irreversível a SAÚDE do paciente, também pode ser
preciso consultar um psiquiatra para que sejam receitados medicamentos
apropriados.
Para diminuir o risco de transtornos mentais e
comportamentais relacionados ao trabalho, também é essencial que sejam
implementadas mudanças no ambiente profissional. Segundo a gerente de SAÚDE
Mental e Preventiva da Subsaúde, Sonia Gerhardt, é importante que os chefes
criem espaços para que os funcionários se manifestem e possam dar vazão a
reclamações. "Criar um espaço de fala para os servidores pode ajudá-los a
se identificarem entre si e não se sentirem isolados", defende.