quarta-feira, 25 de março de 2009

A reforma do Estado no centro da agenda Brasil

A reforma do Estado no centro da agenda
Brasil
Autor(es): Cristiano Romero
Valor Econômico - 25/03/2009




A reforma do Estado brasileiro estará, necessariamente, na agenda do próximo governo, seja ele qual for. O governo Lula, embora tenha contribuído para a estabilização da economia, deixará uma herança pesada na área de pessoal. Em seis anos de gestão, Lula aumentou em 98% a despesa com servidores civis, contratou 201.090 novos funcionários e elevou para 76.857 o número de cargos de confiança, um acréscimo de quase oito mil vagas em relação ao último ano do governo anterior. Tudo isso, sem que a sociedade tenha assistido a uma revolução na qualidade dos serviços públicos.
Com a crise econômica, as receitas públicas estão encolhendo, enquanto o gasto criado com pessoal segue crescendo e tem caráter permanente, rígido - não há como diminuí-lo porque a Constituição não permite a demissão de funcionários estáveis nem a redução de salários. A equação fiscal não fecha, o que obrigará o próximo presidente a enfrentar o problema, sob pena de colocar em risco a estabilidade econômica conquistada a duras penas na última década e meia.
O assunto está na agenda dos pré-candidatos. A ministra Dilma Rousseff reconheceu, em entrevista ao Valor, que nos dois mandatos de Lula faltou fazer a reforma do Estado. Essa reforma, disse ela, será um "tema central" a partir de 2011. Os governadores José Serra e Aécio Neves, do PSDB, pensam da mesma forma, embora não se deva esperar dos três o mesmo tipo de solução. Mesmo no atual governo, avesso a reformas, há quem esteja pensando em mudanças radicais na gestão pública.
O ministro Roberto Mangabeira Unger, da Secretaria de Planejamento de Longo Prazo, acaba de concluir uma série de propostas, que ele defende que sejam implementadas simultaneamente e desde já. Elas não enfrentam diretamente o problema do inchaço na máquina pública, mas apontam caminhos para tornar o Estado eficiente. Ainda assim, não parece realista acreditar que o presidente Lula vá mexer com o funcionalismo a pouco mais de um ano da sucessão. Seja como for, as ideias, desenvolvidas em parceria com o Ministério do Planejamento e com sugestões de empresários, estimulam o debate necessário do tema.
O ministro propõe três agendas de gestão. A primeira pretende lidar com um tema do Século XIX - a criação de uma burocracia profissional. "Trata-se de uma obra inacabada no Brasil. Temos ilhas de excelência - o Itamaraty, a Receita Federal - num mar de discricionariedade. A maioria dos ministérios é fantasma", diz ele.
Para enfrentar o problema, o ministro sugere três ações. A primeira é o envio de um projeto de lei ao Congresso, propondo a redução "progressiva e rápida" dos cargos de confiança. Hoje, existem 76.857 desses cargos no governo federal. O ministro sugere que uma boa parcela disso seja substituída por funcionários de carreira. Ele deixa claro que não está propondo o fim das funções de confiança. "O Estado não deve ser comandado por tecnocratas, mas, sim, pela política", ressalva.
A segunda ação proposta é a ampliação da proporção das carreiras horizontais, isto é, daquelas que podem servir a qualquer ministério, como os atuais gestores públicos. Segundo Mangabeira, a experiência internacional mostra que a vanguarda do serviço público está justamente nas carreiras multifuncionais. A terceira ação é criar, nos Estados, escolas de serviços públicos voltadas para a formação de carreiras horizontais - no governo federal, quem já cumpre esse papel é a Enap.
A segunda agenda é a do Século XX, ou seja, a da busca da eficiência. A ideia é instituir quatro formas de avaliação dos serviços prestados pelo Estado: a autoavaliação dos servidores; a avaliação externa, conduzida pelo Ministério do Planejamento; uma outra avaliação externa, eventual, contratada fora do Estado; e a avaliação feita pelos usuários, como fazem alguns países europeus.
O segundo ponto dessa agenda é a reconstrução do Direito Administrativo, que, na opinião de Mangabeira, oscila hoje entre a rigidez e a discricionariedade. A Lei de Licitações (8.666) é um exemplo de rigidez que, na prática, torna o Estado ineficiente. As leis ambientais, por sua vez, favorecem as decisões discricionárias - um exemplo: a dificuldade de se obter autorização para a construção de hidrelétricas. No primeiro caso, a proposta é promover uma revisão "radical" da 8.666. No segundo, é acabar com a possibilidade de discricionariedade. "O Direito Ambiental brasileiro é o não-Direito. Delega poderes discricionários quase irrestritos a um elenco de pequenos proprietários administrativos, que, com isso, organizam um despotismo não esclarecido", critica Mangabeira. "O resultado prático é transformar cada licenciamento num jogo de influência, de pressão. É uma miopia dos ambientalistas gostar disso. Eles podem gostar enquanto os amigos deles estiverem no poder. Quando os adversários estiverem, não gostarão."
A terceira agenda é a do Século XXI, "do experimentalismo". Um de seus propósitos é reconstruir o federalismo brasileiro, substituindo o modelo de repartição estanque de competências por outro, cooperativo, que associe os três entes da federação em ações comuns. Mangabeira propõe que se comece a fazer isso na educação, com a criação de entidades "transfederais" para zelar pela qualidade do ensino em todo o país, assumindo a gestão de escolas que não atendam a determinados índices de desempenho.
O outro ponto da terceira agenda diz respeito à prestação de serviços públicos pela sociedade civil. O ministro alega que prevalece no Brasil uma espécie de "fordismo" administrativo - a provisão de serviços padronizados e de baixa qualidade pelo aparato burocrático. São serviços de qualidade inferior aos prestados pela iniciativa privada a quem tem dinheiro para pagar por eles. Mangabeira sugere que o Estado financie a sociedade civil para que ela participe da prestação "competitiva e experimental" de serviços, por exemplo, nas áreas de educação e saúde. "Não é privatização", garante. Os colégios de aplicação ligados a universidades federais, menciona o ministro, são uma experiência bem-sucedida que poderia ser replicada para o ensino fundamental.
Share This

Pellentesque vitae lectus in mauris sollicitudin ornare sit amet eget ligula. Donec pharetra, arcu eu consectetur semper, est nulla sodales risus, vel efficitur orci justo quis tellus. Phasellus sit amet est pharetra