Entrevista Nelson Machado |
Autor(es): # Vicente Nunes e Deco Bancillon |
Correio Braziliense - 11/01/2010 |
Interino da Fazenda propõe corte de gastos, quer precificar a Amazônia e afirma que período de mega-aumentos para servidor ficou para trás O ministro-interino da Fazenda, Nelson Machado, acredita que não há mais necessidade de o governo conceder grandes reajustes aos servidores públicos – cuja folha, como mostrou ontem o Correio Braziliense, totalizará R$ 1 trilhão nos oito anos da administração Lula. Para ele, no entanto, não dá para cravar que a União não fará correções muito acima da inflação, já que 2010 é um ano de eleições. Ele garante que o grosso do funcionalismo federal recebe hoje rendimentos médios semelhantes aos pagos pela iniciativa privada, funcionando como uma trava a uma possível debandada do setor público. Machado, apontado como o mais poderoso e eficiente secretário executivo da Esplanada dos Ministérios, admite que chegou a hora de o governo desenvolver uma série de ações para melhorar a qualidade dos gastos públicos. Para isso, ele decidiu tocar um conjunto de medidas denominadas macroprocessos. O nome realmente é técnico, mas tem como um dos focos principais o corte de custos e a maior eficiência dos gestores na aplicação dos recursos do Orçamento federal. Há ainda duas frentes de ação: construir a contabilidade patrimonial, para precificar todos os ativos do país, inclusive a Floresta Amazônica e a emissão de gás carbono, e tornar mais eficiente e ágil o pagamento de dívidas à Receita Federal. Para ele, tudo isso significará uma revolução cultural, que não ficará restrita a um único governo. A seguir, os principais trechos da entrevista que o ministro-interino da Fazenda concedeu ao Correio na última sexta-feira. 2010 sem grandes reajustes Nunca gosto de fazer falas tão definitivas, justamente porque temos aí um processo eleitoral e vamos ter um segundo momento (de decisões). Na minha avaliação, o governo Lula fez uma valorização forte dos servidores e, portanto, isso redundou em reajustes para várias categorias. Acho que hoje (os salários) estão num patamar compatível com o mercado e respeitoso com o funcionalismo. Creio que esse patamar faz jus às responsabilidades que os servidores têm. Nesse sentido, não vejo mais necessidade de grandes reajustes. Agora, de repente, pode ter uma ou outra categoria que ainda está com salários defasados. Mas realmente não vejo necessidade de grandes reajustes para agora. Os salários foram equiparados aos da iniciativa privada ou estão acima? Para o nível gerencial, com certeza os rendimentos estão no mesmo nível. Mas se pegar na cúpula das corporações, nem em sonho é possível competir com a iniciativa privada. Existem grandes companhias que contratam com salários exorbitantes. Só que, na média, acredito que os salários pagos pelo governo estão bem. Conheço procuradores que pediram demissão e foram trabalhar lá fora para ganhar mais. Eles estão no topo dos salários. Agora, não há risco (de debandada), mesmo porque lá fora não há espaço para 20 mil pessoas, mas para meia dúzia com esses salários (astronômicos). Os grandes reajustes têm provocado questionamento enorme entre os economistas do mercado e do próprio governo sobre a qualidade dos gastos públicos. As críticas são justas? O modelo atual tem de ser revisto? Não há dúvidas que temos um grande desafio pela frente, o de buscar a melhoria do gasto. Por isso, estamos desenvolvendo um conjunto de ações chamado de macroprocessos. Existe hoje um modelo tradicional de se ver a organização pública, de olhar para as secretarias, os departamentos. Esse modelo funcional, para a gente, é fácil de assimilar. Mas quem está de fora não nos entende. Então, estamos propondo um modelo de macroprocessos. O primeiro deles é o macroprocesso orçamentário financeiro, que é muito complexo, porque não é só do Ministério da Fazenda. Perpassa os órgãos centrais, como a Fazenda, o Planejamento, a Casa Civil, a Secretaria de Controle. É um macroprocesso que nasce na formulação da política pública, passa pela execução do orçamento e só termina quando as contas são aprovadas pelos órgãos de controle. Nosso objetivo é tornar todo esse longo processo mais eficiente, focando nos custos. O objetivo é medir a eficiência dos gestores e cobrar resultados. O senhor realmente acredita na maior eficiência dos usos dos recursos públicos? A grande maioria vê falta de planejamentono governo e despreparo. É isso mesmo? Não vejo dessa maneira. Acho que o Brasil tem um sistema bom de planejamento. Temos virtudes e defeitos. Uma das virtudes é o fato de termos um modelo de planejamento que está estabelecido na legislação. Temos, portanto, um Orçamento de curto prazo. E temos também um de médio prazo, que é o Plano Plurianual (PPA), que tem quatro anos de duração. No Orçamento anual também tem essa previsibilidade, porque contém a diretriz dos gastos que o setor público vai fazer. E mais: esse Orçamento é trabalhado com todos os entes da Federação, União, estados e municípios. Todos trabalham com o mesmo formato de legislação. Por mais difícil que seja compreender os relatórios de Orçamento, há, sem dúvida, uma qualidade, que é a uniformidade. Todos são iguais no Brasil inteiro. Para um país com a extensão que temos, não é fácil fazer isso. Em outros países, por exemplo, não funciona dessa forma. Isso é uma vantagem do nosso sistema orçamentário. E os defeitos? Pelo que se percebe, eles são muito mais evidentes, tamanha a gritaria em relação à qualidade dos gastos, aos desvios de recursos, aos sobrepreços. Sempre é possível reduzir o custo das ações (do governo) e reduzir os gastos. Há várias maneiras para isso, seja pelo conhecimento do custo das linhas de ação, seja pela busca de novas linhas de ação ou até pela avaliação se a ação executada deve permanecer ou não. Tudo isso está em análise. Mas algumas coisas são culturais. Por exemplo: o governo gasta uma quantidade enorme de dinheiro com passagens aéreas. E sabemos que é possível reduzir essas despesas com reuniões por videoconferência. De alguma forma, isso já acontece. Mas é preciso mais, é preciso que se avalie bem se realmente há necessidade de viagens ou de outro gasto que seja. O senhor realmente acredita que será possível mudar a mentalidade, promover uma revolução cultural na formulação e execução do orçamento? Há várias maneiras de se trabalhar essas questões. A mais clássica é impor limites, cortar pura e simplesmente parte das despesas. Mas aí cito o caso do dono de uma fábrica de calçados que desejava reduzir custos. Ao fim do ano, ele percebe que gastou muito com couro. Então, reduz a quantidade de couro. Mas isso quer dizer que ele fabricará menos calçados ou terá um produto de menor qualidade. No setor público é a mesma coisa. A gente não pode tomar só esse tipo de medida. Então, qual é o caminho? A maneira mais adequada de gerenciar gastos é ter uma cultura de redução de custos. De os dirigentes estarem preocupados em executar mais e melhor com menos recursos. Se eu tiver um processo de capacitação e um processo de divulgação da medida (de redução de custos) já melhora bastante. É uma questão cultural e de informação. Por isso, é essencial que criemos um sistema de custos. Porque ele dará a informação que permitirá que o dirigente de cada órgão altere ou reveja suas ações. Agora, não sejamos inocentes. As coisas precisam de incentivos. Ninguém trabalha sem incentivo. E, muitas vezes, os nossos incentivos são inadequados. Como assim? Nas corporações com fins lucrativos, o dirigente está preocupado em aumentar a receita e diminuir o custo porque a medida dele é clara: o lucro. E se ele tiver lucro, tem participação. E se tem participação, ele põe dinheiro no bolso. Os bancos europeus, por exemplo, sobretudo os da Inglaterra e os da França, querem limitar o pagamento de bônus a seus executivos, porque isso faz com que eles assumam riscos desnecessários. Esse é um incentivo inadequado, o que não quer dizer que todo incentivo financeiro seja errado. Mas quais as implicações disso para o setor público? Trabalhamos com dotação orçamentária, o que quer dizer que cada órgão tem que trabalhar com os procedimentos de dotação. Vamos supor que um órgão X tenha R$ 100 mil de dotação para gastar no ano. Pelo nosso modelo, o órgão deve fazer licitação e empenhar os valores. Mas digamos que as licitações atrasaram ou que as compras feitas pelo órgão tiveram valores menores do que o que havia sido previsto, gerando economia. Nesse caso, digamos que o órgão gastou R$ 80 mil dos R$ 100 mil a que tinha direito. Qual é a lógica dos órgãos centrais de controle? É assim: faz-se o Orçamento de 2010 olhando para o Orçamento de 2008, porque o de 2009 está em andamento. A avaliação é feita da seguinte forma: se em 2008 o órgão gastou R$ 80 mil e não os R$ 100 mil a que tinha direito, ele só vai receber R$ 80 mil para gastar em 2010. E qual é o incentivo que o gestor público tem para reduzir o seu gasto de R$ 100 mil para R$ 80 mil? Nenhum. Porque ele sabe que no outro ano vai ter que trabalhar só com os R$ 80 mil. E isso fica ainda pior no caso de ele ter postergado alguma despesa para o outro ano, porque, aí, em vez de ter R$ 120 mil para gastar, terá só os R$ 80 mil. É uma lógica estranha. É essa a lógica que a Fazenda quer mudar? Isso é uma cultura que se estabeleceu no mundo. Todos os dirigentes orçamentários têm essa preocupação. Por isso, acredito que uma das coisas que o sistema de custos pode ajudar é trabalhar não com a dotação em si, mas com as quantidades produzidas, os custos de cada órgão. E pode levar a dotação do ano que você não gastou para o outro ano. Hoje, o valor que não foi empenhado no mesmo ano não vai para o segundo, nem em restos a pagar. Porque até essa verba tem que ser empenhada até o fim de cada ano para que esteja liberada para o próximo. É o que a gente chama carry-over (passagem de uma folha à outra) de dotação orçamentária. O nosso regime não permite o carry-over. Ao não permitir isso, abre-se a possibilidade de não alcançar o melhor gasto possível. É claro que os órgãos da ponta sempre têm uma preocupação grande em fazer o carry-over. De onde vêm essas resistências? A maior delas sou eu mesmo, aqui na Fazenda. Porque é mais difícil administrar o caixa do governo tendo dotações carregadas de anos anteriores. A não ser que façamos uma mudança maior no orçamento, como se discute hoje no Congresso Nacional. Mas se não, imagine como seria administrar o caixa. Tenhamos como exemplo um Orçamento de receitas de R$ 200 e despesas de R$ 200 em um ano. Digamos que um órgão só tenha gasto R$ 170, e decida levar os R$ 30 para o ano seguinte. Nesse caso, como eu conciliaria os R$ 230 de despesas, caso pudesse gastar os R$ 30, com receitas de R$ 200? É um desafio. O fato de não haver o carry-over torna o Orçamento a peça de ficção que todos alardeiam? Vocês já leram peças de ficção? Todas têm uma base de realidade. Quando se lê A volta ao mundo em 80 dias (do escritor francês Júlio Verne)” é pura ficção. Mas a obra se baseia em um monte de coisas que existem. Então, o Orçamento não ocorre exatamente como está escrito. Até porque seria um feito enorme do ministro doPlanejamento (Paulo Bernardo), digno de merecer um Prêmio Nobel sei lá do quê. Tinha que dar um diploma de Deus para o ministro que conseguisse isso. Não tem como. Grande parte da literatura de finanças que discute Orçamento se dedica a analisar as variações entre o planejado e o executado. Porque sempre vai haver diferenças. Mas para melhorar a gestão dos recursos públicos é preciso ir além do orçamento, não é? Sim. Por isso, temos dois outros pontos que constituem os macroprocessos. Um se refere à evolução da contabilidade financeira para a patrimonial. Muitos se preocupam apenas se o governo está fazendo ou não superavit fiscal e esquecem a importância de se medir o patrimônio do país. Temos que passar a contabilizar quanto vale a Amazônia, quanto está sendo consumido do Aquífero Guarani, medir os custos de emissão de carbono. Essa contabilidade patrimonial está sendo discutida no mundo inteiro e o Brasil não pode ficar de fora. Outro ponto do macroprocesso trata do crédito tributário. A meta é tornar a vida do contribuinte mais fácil na hora de acertar a sua situação com a Receita Federal e permitir que o recebimento de dívidas seja rápido. Hoje, não há uma conversa entre os órgãos que integram o sistema arrecadador brasileiro: Receita, Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Atualmente, os contribuintes falam com cada um desses órgãos isoladamente porque eles não estão integrados tecnologicamente. O que queremos é que, ao procurar um deles, o contribuinte possa resolver sua pendência independentemente da instância. É um desafio enorme ao qual resolvermos enfrentar. E já está dando resultados positivos. Hoje o contribuinte fala com cada órgão de forma isolada. E queremos que ele possa resolver pendências independentemente da instância” |
segunda-feira, 11 de janeiro de 2010
Siqueira
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