Autor(es): Jairo Saddi
Valor Econômico - 27/06/2011
É equivocada a conclusão de que a fiscalização e a supervisão do Sistema Financeiro Nacional (SFN- pelo Banco Central perdeu qualidade em razão do número mais elevado de funcionários que se aposentaram recentemente. O argumento também não guarda relação direta ou indireta com problemas localizados (Pan-Americano, Morada etc.) nem com um quadro mais enxuto de funcionários no Departamento de Fiscalização e Supervisão do SFN.
Vejamos: segundo informações oficiais, em 31 de dezembro de 2010, o quadro de pessoal do BC totalizava 4.882 servidores públicos, distribuídos da seguinte forma: 3.994 analistas, 702 técnicos e 186 procuradores. Durante o último ano, conforme a mesma fonte, aposentaram-se 331 servidores, número 22% maior que o total de aposentadorias no ano anterior. Ademais, pelos cálculos do Sinal (Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central), cerca de 1.700 se tornam elegíveis à aposentadoria entre 2011 e 2013. O Banco Central não confirma a estimativa do Sinal, mas indica que o número aproximado de servidores que poderão se aposentar até 2014 realmente pode chegar a 35% do total do quadro efetivo. Finalmente, se todos esses 1.700 funcionários se aposentarem ao mesmo tempo, nosso regulador terá, em 2013, a metade dos 5.918 profissionais que estavam na ativa em 1996.
O debate no setor público sempre se encerra na mesma toada de falta de pessoal, na dificuldade de preencher cargos e vagas e numa ladainha sem fim sobre recursos humanos. Além disso, há um mito de que a contratação de servidores no BC é lenta (ou inexistente) - só em 2010 houve reposição de 20 procuradores, 350 analistas e 150 técnicos, sabendo-se que 750 já foram aprovados em concurso na própria área de fiscalização, faltando ainda a efetivação desses concursados. Depois, segundo o site do BC, providências foram tomadas no sentido de implementar "ações relacionadas à gestão do conhecimento, à identificação e formação de sucessores e à mobilidade interna". Em outras palavras, a própria autarquia quer acreditar que é melhor promover e acelerar a carreira daqueles valorosos funcionários, dando-lhes novas e diferentes oportunidades, que apenas aumentar o seu "head count". O melhor trabalho da fiscalização passa por produtividade, sistemas e rotinas mais eficientes, não por mais funcionários.
O debate é antigo e há um argumento de política implícito na lógica de Brasília: quanto maior o número de servidores públicos, maior o poder burocrático que uma autarquia passa a deter no desenho institucional de uma dada sociedade. O que é preciso lembrar sempre é a relação de custo-benefício que o aumento de funcionários oferece à sociedade, e nem sempre essa relação se justifica.
O número de funcionários no BC não deve aumentar, por várias razões. Primeiro, é igualmente equivocado o argumento de que o BC mudou a forma de fiscalização de instituições financeiras em razão do número de aposentados. Segundo, o sistema financeiro também ficou mais concentrado, há um número menor de bancos, corretoras e distribuidoras a serem fiscalizadas. Terceiro, há um movimento global visando uma fiscalização mais centralizada e consolidada, que faz com que o trabalho de campo seja menor. Com a atual tecnologia, não faz qualquer sentido ter um exército ostensivo de fiscais à porta de um banco checando o livro-caixa; ao contrário, isso só aumenta a suspeita sobre a estabilidade daquela instituição. Finalmente, mesmo com a melhor fiscalização do planeta, problemas pontuais podem acontecer, já que gerados por fraudes e atos ilícitos, nem sempre transparentes e visíveis a olho nu. Por exemplo, só com as recentes decisões sobre escriturar carteiras de recebíveis e com a criação da C3 é que se aperfeiçoam as práticas das cessões de crédito no Brasil. Isso não era necessário, sequer cogitado, antes do affair PanAmericano. É assim que as instituições progridem.
O que precisamos é valorizar os funcionários do Banco Central, com incentivos corretos, premiações a trabalhos que, muitas vezes, pela natureza e pelo propósito, são silenciosos e passam despercebidos. O inchaço da máquina pública é uma ideia perversa que precisa ser afastada de vez de nossa cultura.
Jairo Saddi, pós-doutor pela Universidade de Oxford, professor de Direito do Insper, escreve mensalmente às segundas-feiras.