Blog do Servidor Público Federal -
03/10/2011
Um esquema de fraude que se apoia no Judiciário e em
instituições financeiras atua em plena Esplanada dos Ministérios e já tirou
cerca de R$4 milhões de funcionários públicos do Senado Federal e da
Aeronáutica. Essa é a estimativa das vítimas que foram seduzidas por práticas
nada convencionais de refinanciamento de débitos e acabaram sem salário. Alguns
estão há três meses sem receber e se uniram para brigar na Justiça para ter os
vencimentos de volta.
Vendedores de crédito, conhecidos como
"pastinhas", circulam nos corredores das duas instituições com a
promessa de suspender a cobrança de parcelas de empréstimo consignado que estão
em curso, para que novos sejam feitos. Eles têm parceria com um homem que se
apresenta como advogado, mas não tem registro na Ordem dos Advogados do Brasil:
Abraão de Queiroz Garcia, que teria um escritório em Natal, consegue, sempre
com um mesmo juiz de Teresina (PI), liminares para que os empréstimos deixem de
ser cobrados.
A partir daí, os funcionários relatam que eram coagidos por
ele e por outro "consultor", chamado Marcelo Tagliaferro, para pegar
novos financiamentos no total da margem consignável, ou seja, o máximo
possível. Isso porque a comissão cobrada é de 35% do valor financiado. Para uma
fonte do Ministério Público, além de estelionato, é agiotagem.
Vítima diz que chegou a "pegar quase R$900 mil"
A partir daí, acontece o que, nos tribunais, é conhecido
como a "mágica travada". Mesmo com restrição judicial, eles vêm
conseguindo os financiamentos. Uma das vítimas chegou a "pegar quase R$900
mil": o limite possível para uma aposentada do Senado.
- Eu disse: mas como? Saiu até na margem (documento emitido
pelo empregador): restrição judicial. E eles fizeram assim mesmo - afirmou
outra funcionária.
Essa servidora tem um dos cargos mais simples do Senado.
Trabalha na portaria e, mesmo assim, ganha quase R$25 mil de benefícios
acumulados em quase 40 anos na instituição. Ela fechou um negócio com o
vendedor José Alexandre, marido de uma colega.
Ela entrou em depressão assim que depositou R$127 mil na
conta do advogado em duas parcelas. Uma delas de R$70 mil. Segundo a servidora,
se não pagasse essas parcelas, ficaria com o nome sujo como inadimplente.
- Caiu o dinheiro lá, eles ficam atrás da gente, ameaçando e
tudo. Querem dinheiro de qualquer jeito - disse ela.
Vendedor: servidores
não foram forçados
As vítimas pediram para seus nomes não serem revelados,
temendo represália.
Assim que o servidor toma o dinheiro emprestado, os bancos
conseguem derrubar as liminares e todos os antigos empréstimos voltam a ser
cobrados. O salário chega a ser insuficiente. No caso da porteira, o
contracheque vem zerado.
- É extorsão. O golpe está aí: o de iludir as pessoas. Eles
abandonaram todos, porque prometeram entrar com questionamento (dos juros
extorsivos dos primeiros empréstimos) e não entraram. Venderam ilusão, porque
eles não negociaram com os bancos.
O vendedor José Alexandre negou que atue com o
"advogado" Abraão e disse que ele apenas vende os empréstimos e vive
da sua comissão. Afirmou que os clientes não são crianças nem foram forçados a
qualquer coisa.
- Quem dá a liminar não sou eu - afirmou Alexandre.
Santander informa desconhecer irregularidade
Os empréstimos - conhecidos até agora - eram dados pelo
banco Santander, via Credisete. Procurado, o Santander informou que adota
procedimentos rigorosos para a concessão de crédito e desconhece qualquer
irregularidade ou fatos que possam desvirtuar a utilização dos recursos.
A Credisete não respondeu às perguntas enviadas. Já a
Febraban afirma que não se pronuncia em caso de denúncia contra um único banco.
A advocacia do Senado Federal emitiu um parecer no qual
disse que era evidente que os funcionários agiram de "má-fé". E
orientou a Casa a descontar tudo o que foi negociado, por mais que
ultrapassasse o limite de 30% previsto na lei. O Banco Central e o Ministério
do Trabalho informaram que não cabe a eles opinar sobre o assunto.
Já o "advogado" Abraão desapareceu.
Fonte: O Globo