O Estado de S. Paulo - 13/10/2011
Encerrada a greve dos Correios, depois de 28 dias de
paralisação, sobraram 185 milhões de correspondências acumuladas e prejuízos
incontáveis para milhões de brasileiros - além, é claro da perda estimada de R$
20 milhões diários para a empresa. Esse episódio comprovou mais uma vez a
necessidade urgente de uma adequada regulamentação do direito de greve nos
serviços ou atividades essenciais, tal como determina a Constituição no
parágrafo 1.º de seu artigo 9.º. O assunto permanece numa espécie de limbo
legislativo, assim como o direito de greve dos servidores públicos.
Telecomunicações foram incluídas entre os serviços ou
atividades essenciais pela Lei n.º 7.783/89. Correios obviamente fazem parte
desse conjunto. Essa lei obriga empregados, trabalhadores e sindicatos a
garantir, durante a greve, a prestação de "serviços indispensáveis ao
atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade". Mas ela tem pelo
menos duas graves lacunas.
Em primeiro lugar, a lei não determina como se deve realizar
esse atendimento mínimo. Apenas atribui ao Poder Público a função de providenciar
a prestação dos serviços no caso de inobservância daquela obrigação por
empregadores, empregados e sindicatos. Em segundo lugar, o texto é muito
restritivo ao definir as "necessidades inadiáveis da comunidade". De
acordo com o texto, uma necessidade só é inadiável se o seu não atendimento
puser "em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da
população".
Essa definição favorece os grevistas. Pode-se alegá-la para
justificar a paralisação completa da atividade em muitos serviços classificados
como essenciais. A própria noção de "essencial" fica um tanto vaga,
porque nem todo serviço relacionado nessa rubrica responde a uma necessidade
considerada inadiável. A paralisação da compensação bancária, por exemplo,
incluída entre as atividades essenciais, põe em risco "a sobrevivência, a
saúde ou a segurança da população"? Pode-se argumentar a favor de qualquer
interpretação. Em casos-limite, a interrupção de uma transferência financeira
pode, é claro, ameaçar a segurança ou a saúde de uma pessoa ou de um grupo de
pessoas.
Mas não deveria ser preciso pensar em casos extremos para
sustentar uma simples afirmação do bom senso: de fato, transportes,
comunicações e compensações bancárias são essenciais e indispensáveis à vida
normal e ao exercício de direitos básicos de milhões de pessoas, especialmente
em sociedades complexas. Prejuízos causados por greves em serviços essenciais
atingem muito mais que as empresas diretamente empregadoras.
Atrasos de pagamentos - para citar um exemplo muito comum -
podem causar não só danos financeiros, mas também danos morais importantes,
atingindo pessoas sem distinções econômicas ou de outras condições.
Não tem sentido sobrepor o direito de greve, essencial à
democracia, a outros direitos igualmente relevantes ou, em muitos casos, de
importância maior para a maioria das pessoas. Como saber se a interrupção de um
serviço de transporte impedirá um transplante de órgão ou a continuidade de
sessões de quimioterapia?
Já se perdeu muito tempo sem uma boa regulamentação das
greves nos serviços ou atividades essenciais e no serviço público. Para se
estabelecer uma boa regulamentação será preciso levar em conta, de forma
equilibrada, tanto os interesses dos grevistas e dos empregadores quanto os
direitos de todos os segmentos da sociedade.
A Lei 7.783 é claramente insuficiente para disciplinar o
direito de greve nos serviços ou atividades essenciais. É preciso retomar esse
trabalho, seja para produzir uma nova lei, seja para ampliar e aperfeiçoar
aquela editada em 1989. É igualmente importante cuidar da greve no serviço
público. Diante da omissão dos outros Poderes, o Judiciário já foi levado a
fixar provisoriamente regras sobre o tema. Não basta repetir frases de efeito,
como fez a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, ao criticar a
malandríssima conversão da greve em férias. Governa-se com atos e não só com
retórica.