STJ - 09/10/2011
A Lei 8.429 de 1992, conhecida com Lei de Improbidade
Administrativa (LIA), está prestes a completar 20 anos de vigência, mas ainda
gera muitas discussões na justiça. É enorme a quantidade de processos que
contestam questões básicas, como a classificação de um ato como improbidade e
quem responde por esse tipo de conduta. O Superior Tribunal de Justiça (STJ)
começou a julgar processos discutindo dispositivos da LIA em 1996 e, desde
então, foram proferidas mais de 8.700 decisões, entre monocráticas e colegiadas.
Os artigos 9º, 10 e 11 da lei trazem extenso rol de atos
ímprobos. O artigo 9º trata da improbidade administrativa que gera
enriquecimento ilícito e o artigo 10 aborda a modalidade que causa dano ao
erário, por ação ou omissão, dolosa ou culposa. Por fim, o artigo 11 traz os
atos que violam os princípios da administração pública, como legalidade,
moralidade e imparcialidade.
A jurisprudência do STJ consolidou a tese de que é
indispensável a existência de dolo nas condutas descritas nos artigos 9º e 11 e
ao menos de culpa nas hipóteses do artigo 10, nas quais o dano ao erário
precisa ser comprovado. De acordo com o ministro Castro Meira, a conduta
culposa ocorre quando o agente não pretende atingir o resultado danoso, mas
atua com negligência, imprudência ou imperícia (REsp 1.127.143).
Nos casos do artigo 11, a Primeira Seção unificou a tese de
que o elemento subjetivo necessário para caracterizar a improbidade é o dolo
genérico, ou seja, a vontade de realizar ato que atente contra os princípios da
administração pública. Assim, não é necessária a presença de dolo específico,
com a comprovação da intenção do agente (REsp 951.389).
Improbidade x irregularidade
No julgamento do REsp 980.706, o ministro Luiz Fux
(atualmente no Supremo Tribunal Federal) lembrou que, de acordo com a
jurisprudência do STJ, o elemento subjetivo é essencial para a caracterização
da improbidade administrativa, que está associada à noção de desonestidade, de
má-fé do agente público. “Somente em hipóteses excepcionais, por força de
inequívoca disposição legal, é que se admite a sua configuração por ato culposo
(artigo 10 da Lei 8.429)”, ressalvou o ministro.
São autores do recurso três pessoas condenadas em ação civil
pública que apurou irregularidades na concessão de duas diárias de viagem, no
valor total de R$ 750,00. Seguindo o voto de Fux, a Primeira Turma absolveu as
pessoas responsáveis pela distribuição das diárias por considerar que não houve
prova de má-fé ou acréscimo patrimonial, ocorrendo apenas mera irregularidade
administrativa. Somente o beneficiário direto que recebeu as diárias para
participar de evento ao qual não compareceu é que foi obrigado a ressarcir o
dano aos cofres públicos e a pagar multa.
Um ato que isoladamente não configura improbidade
administrativa, quando combinado com outros, pode caracterizar a conduta
ilícita, conforme entendimento da Segunda Turma. A hipótese ocorreu com um
prefeito que realizou licitação em modalidade inadequada, afinal vencida por
empresa que tinha sua filha como sócia.
Segundo o ministro Mauro Campbell, relator do REsp
1.245.765, a participação da filha do prefeito em quadro societário de empresa
vencedora de licitação, isoladamente, não constituiu ato de improbidade
administrativa. A jurisprudência também não enquadra na LIA uma inadequação em
licitação, por si só. “O que se observa são vários elementos que, soltos, de
per si, não configurariam, em tese, improbidade administrativa, mas que,
somados, formam um panorama configurador de desconsideração do princípio da
legalidade e da moralidade administrativa, atraindo a incidência do artigo 11
da Lei 8.429”, afirmou Campbell.
Concurso público
A contratação de servidor sem concurso público pode ou não
ser enquadrada como improbidade administrativa. Depende do elemento subjetivo.
Em uma ação civil pública, o Ministério Público de São Paulo pediu a
condenação, com base na LIA, de diversos vereadores que aprovaram lei municipal
permitindo a contratação de guardas municipais sem concurso. Negado em primeiro
grau, o pedido foi acatado pelo tribunal local. Os vereadores recorreram ao STJ
(REsp 1.165.505).
A relatora do recurso, ministra Eliana Calmon, entendeu que
não houve dolo genérico dos vereadores, que tiveram inclusive a cautela de
buscar parecer de jurista para fundamentar o ato legislativo. Por falta do
necessário elemento subjetivo, a Segunda Turma afastou as penalidades de
improbidade. A decisão do STJ restabeleceu a sentença, que anulou o convênio
para contratação de pessoal depois que a lei municipal foi declarada inconstitucional.
Em outro processo sobre contratação irregular de pessoal sem
concurso público, o STJ entendeu que era caso de improbidade administrativa. No
REsp 1.005.801, um prefeito contestou sua condenação com base na LIA por ter
permitido livremente a contratação sem concurso, e sem respaldo em qualquer
lei. Segundo o acórdão, a conduta do prefeito contrariou os princípios da
moralidade, da impessoalidade e da legalidade.
O relator, ministro Castro Meira, ressaltou trecho do
acórdão recorrido apontando que a contratação não teve o objetivo de atender
situação excepcional ou temporária para sanar necessidade emergencial. Foi
admissão irregular para desempenho de cargo permanente. Todos os ministros da
Segunda Turma entenderam que, ao permitir essa situação, o prefeito violou o
artigo 11 da LIA.
Quem responde
O artigo 1º da Lei 8.429 afirma que a improbidade
administrativa pode ser praticada por qualquer agente público, servidor ou não,
contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes
da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de empresa
incorporada ao patrimônio público, entre outras.
O artigo 2º define que agente público é “todo aquele que
exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação,
designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo,
mandato, cargo, emprego ou função” nas entidades mencionadas no artigo 1º.
O artigo 3º estabelece que as disposições da lei são
aplicáveis também a quem, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra
para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma
direta ou indireta.
A dúvida restou quanto à aplicação da lei aos agentes
políticos, que são o presidente da República, ministros de Estado,
governadores, secretários, prefeitos, parlamentares e outros. O marco da
jurisprudência do STJ é o julgamento da reclamação 2.790, ocorrido em dezembro
de 2009.
Seguindo o voto do ministro Teori Zavascki, relator da
reclamação, a Corte Especial decidiu que, “excetuada a hipótese de atos de
improbidade praticados pelo presidente da República, cujo julgamento se dá em
regime especial pelo Senado Federal, não há norma constitucional alguma que
imunize os agentes políticos, sujeitos a crime de responsabilidade, de qualquer
das sanções por ato de improbidade”.
Na mesma decisão e no julgamento da reclamação 2.115, também
da relatoria de Zavascki, a Corte estabeleceu que a prerrogativa de foro
assegurada pela Constituição Federal em ações penais se aplica às ações de
improbidade administrativa. Por essa razão, no julgamento do agravo regimental
no agravo de instrumento 1.404.254, a Primeira Turma remeteu ao Supremo
Tribunal Federal os autos de ação de improbidade contra um ex-governador que
foi diplomado deputado federal.
Ainda com base nessa jurisprudência, a Segunda Turma deu
provimento ao REsp 1.133.522 para determinar a continuidade de uma ação civil
pública de improbidade administrativa contra juiz acusado de participar de
esquema secreto de interceptações telefônicas.
Quanto à propositura da ação, o STJ entende que o Ministério
Público tem legitimidade para ajuizar demanda com o intuito de combater a
prática de improbidade administrativa (REsp 1.219.706).
Independência entre as esferas
De acordo com a jurisprudência do STJ, a LIA não deve ser
aplicada para punir meras irregularidades administrativas ou transgressões
disciplinares. Ela tem o objetivo de resguardar os princípios da administração
pública sob o prisma do combate à corrupção, à imoralidade qualificada e à
grave desonestidade funcional.
No julgamento de agravo no REsp 1.245.622, o ministro
Humberto Martins afirmou que a aplicação da LIA “deve ser feita com cautela,
evitando-se a imposição de sanções em face de erros toleráveis e meras
irregularidades”. Seguindo esse entendimento, a Primeira Turma não considerou
como improbidade a cumulação de cargos públicos com a efetiva prestação do
serviço, por valor irrisório pago a profissional de boa-fé.
Mesmo nos casos de má-fé, nem sempre a LIA deve ser
aplicada. Foi o que decidiu a Primeira Turma no julgamento do REsp 1.115.195. O
Ministério Público queria que o transporte e ocultação de armas de fogo de uso
restrito e sem registro por policiais civis fossem enquadrados como
improbidade.
O relator, ministro Arnaldo Esteves Lima, explicou que,
apesar da evidente violação ao princípio da legalidade, a conduta não é ato de
improbidade. “Assim fosse, todo tipo penal praticado contra a administração
pública, invariavelmente, acarretaria ofensa à probidade administrativa”,
afirmou o ministro.
Aplicação de penas
As penas por improbidade administrativa estão definidas no
artigo 12 da LIA: ressarcimento aos cofres públicos (se houver), perda da
função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil e
proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios e incentivos
fiscais ou creditícios.
De acordo com a jurisprudência do STJ, essas penas não são
necessariamente aplicadas de forma cumulativa. Cabe ao magistrado dosar as
sanções de acordo com a natureza, gravidade e conseqüências do ato ímprobo. É
indispensável, sob pena de nulidade, a indicação das razões para a aplicação de
cada uma delas, levando em consideração os princípios da proporcionalidade e da
razoabilidade (REsp 658.389).
As duas Turmas especializadas em direito público já
consolidaram a tese de que, uma vez caracterizado o prejuízo ao erário, o
ressarcimento é obrigatório e não pode ser considerado propriamente uma sanção,
mas conseqüência imediata e necessária do ato combatido.
Desta forma, o agente condenado por improbidade
administrativa com base no artigo 10 (dano ao erário) deve, obrigatoriamente,
ressarcir os cofres públicos exatamente na extensão do prejuízo causado e,
concomitantemente, deve sofrer alguma das sanções previstas no artigo 12.
No julgamento do REsp 622.234, o ministro Mauro Campbell
Marques explicou que, nos casos de improbidade administrativa, existem duas
consequências de cunho pecuniário, que são a multa civil e o ressarcimento. “A
primeira vai cumprir o papel de verdadeiramente sancionar o agente ímprobo,
enquanto o segundo vai cumprir a missão de caucionar o rombo consumado em
desfavor do erário”, esclareceu Marques.