Guilherme Queiroz
ISTOÉ DINHEIRO
- 17/10/2011
Decisão do governo de não incluir reajustes do Judiciário e
do MP no Orçamento de 2012 deflagra disputa entre Poderes e desencadeia ameaças
de greve.
Ao adotar o discurso da austeridade fiscal, o governo
federal buscou mostrar que pretende fazer sua parte no esforço para reduzir a
taxa de juros brasileira, a mais alta do mundo, e tem compromisso com o
equilíbrio das contas públicas. Mas o que deveria evocar simpatias se tornou
uma pedra no sapato da presidente Dilma Rousseff. O governo decidiu endurecer
as negociações contra as categorias em greve, como os funcionários dos
Correios, funcionários de universidades federais e bancos públicos, não
aceitando aumentos acima da inflação. Para piorar o incômodo, a decisão de não
incluir na proposta de Orçamento de 2012 os reajustes que inchariam a gorda
folha do funcionalismo, deflagrou uma queda de braço entre os Poderes.
Judiciário e Ministério Público da União (MPU) travam uma aguerrida campanha
pela reposição salarial, que já soma tentativas frustradas de diálogo e uma
ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para forçar a concessão do reajuste sem
anuência do Congresso Nacional. O governo utiliza o discurso da crise e da
inflação acima do teto da meta para manter os reajustes compatíveis com as
perdas inflacionárias, e nada mais.
O primeiro sinal de endurecimento veio com o anúncio do
corte do ponto dos funcionários em greve no Correios. A Eletrobras, que enfrentou
uma paralisação em junho, já tomara a mesma atitude. Na terça-feira 11, a
ministra do Planejamento, Miriam Belchior, afirmou que os grevistas devem
assumir as consequências da paralisação, encerrada na terça feira 11. “Greve
não é férias”, disse a ministra. De volta das viagens aos Estados Unidos e à
Europa, a presidente Dilma vem reforçando sua preocupação com o agravamento da
crise internacional. Isso porque só o novo salário mínimo, que irá a R$ 619,21
no ano que vem, terá impacto de R$ 21,5 bilhões nas contas públicas. Assim, o
Orçamento de 2012 não incluiu propostas como a do Judiciário: passou sem
contemplar os R$ 7,7 bilhões previstos para bancar os aumentos para magistrados
e servidores.
O Tribunal de Contas da União (TCU) e a Câmara dos Deputados,
cujos reajustes teriam impactos de R$ 303 milhões e R$ 207 milhões em 2012,
respectivamente, ficaram de fora. Os sinais de austeridade vêm sendo dados há
algum tempo. Rumores de que o Judiciário e o MPU não teriam seus reajustes
contemplados já rondavam o Supremo Tribunal Federal (STF) semanas antes da
divulgação do Orçamento de 2012, em 31 de agosto. “Estava no ar a possibilidade
de o Executivo interferir”, disse à DINHEIRO o ministro Marco Aurélio Mello, do
STF. “Isso gera um verdadeiro impasse porque o Executivo não pode alterar a
proposta dos outros Poderes.” A disputa acontece em torno de uma conta que não
fecha. Para 2012, o governo alocou apenas R$ 1,6 bilhão para contratações e
reajustes – depois de anos de forte crescimento em gastos com pessoal, que
redundou numa folha estimada em R$ 202 bilhões, no ano que vem.
Esses recursos serão desembolsados para contratar
professores nas universidades federais e para cargos considerados estratégicos.
Com isso, ficaram de fora o projeto que reestrutura as carreiras do Judiciário
e do MPU – que prevê reajustes de até 56% – e os que recompõem perdas
inflacionárias na remuneração dos ministros do STF e do procurador-geral da
República, hoje em R$ 26.723,13. Em mensagem enviada ao Congresso, a presidente
Dilma Rousseff justificou que as propostas não foram incluídas em nome da
responsabilidade fiscal e em face do cenário de incertezas na economia mundial.
Uma acentuada elevação nos gastos do funcionalismo comprometeria as políticas
sociais do governo e o combate à miséria, diz o documento. O Bolsa Família,
principal programa social do governo, por exemplo, teve seus recursos ampliados
em 46,2%, para R$ 19,6 bilhões.
O discurso não convenceu, e a magistratura e o Ministério
Público não escondem o descontentamento. “Há uma situação de evidente
desrespeito à Constituição”, diz Fabrício Fernandes, vice-presidente da
Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe). O procurador Alexandre
Camanho, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR),
frisa que o índice de 4,8% previsto na proposta do Judiciário e do MP contempla
apenas a reposição inflacionária, não representando ganhos reais às carreiras.
O impasse está longe de uma solução. É possível que a carga sobre o petista se
intensifique por causa do anúncio de que a arrecadação, até agosto, chegou a R$
630,4 bilhões, aumento de 13,6% sobre o mesmo período de 2011, indicando que há
dinheiro no caixa. “Vamos fazer os acordos sem tirar o olho das nuvens escuras
sobre a economia”, diz o deputado.