Isabel Braga
O Globo - 12/12/2011
Legislativo não divulga quantos recebem mais de R$26,7 mil,
mas estima-se que sejam quase mil só no Senado
BRASÍLIA. Promulgada há 14 anos pelo Congresso Nacional, a
emenda constitucional que criou o teto salarial para o funcionalismo público
até hoje não é aplicada pelo Legislativo. Com a desculpa de que falta
regulamentação sobre o que entra ou não no cálculo do chamado "abate
teto", Câmara e Senado continuam pagando salários acima de R$26,7 mil -
equivalente ao vencimento dos ministros do Supremo Tribunal Federal - e se
recusam a fornecer o número de servidores beneficiados.
Relator da proposta de reforma administrativa do Senado,
Ricardo Ferraço (PMDB-ES) conta que nem ele conseguiu ter acesso a esses dados.
Estimativas informais, no entanto, indicam que só no Senado o número de
funcionários que recebem acima do teto chegam perto de mil.
- Essas informações são mais confidenciais do que o segredo
do cofre do Banco Central - reclama Ferraço.
Os altos salários são mantidos por uma guerra de liminares.
Em março deste ano, procuradores da República no Distrito Federal entraram com
três ações questionando o pagamento de salários no Legislativo e no Executivo
acima do teto constitucional e determinando que funções comissionadas, horas
extras e outras verbas fossem somadas ao salário para o chamado "abate
teto". Em julho, o Ministério Público garantiu a suspensão dos pagamentos
além do teto.
Mas o Senado e a Câmara recorreram e, em setembro, o presidente
do Tribunal Regional Federal da Primeira Instância, Olinto Menezes, voltou a
liberar o pagamento dos supersalários. O MP, então, entrou com um recurso junto
à Corte Especial do TRF, mas ainda não há data prevista para o julgamento.
A procuradora da República no Distrito Federal, Anna
Carolina Resende, não esconde sua surpresa com a postura do Legislativo. E
defende que o Supremo enfrente o debate sobre as situações em que há acúmulo de
cargo público.
- A postura do representante do órgão pode conflitar com o
próprio interesse do órgão. É evidente que o interesse é economizar, mas os
representantes adotam medidas contrárias aos próprios cofres públicos - lamenta
Anna Carolina.
Constituição e emendas promulgadas definem teto
Para o ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio
Mello, e o procurador da República junto ao Tribunal de Contas da União (TCU),
Marinus Marsico, a Constituição Federal e as emendas promulgadas pelo Congresso
definem claramente o teto do funcionalismo.
- Precisamos no Brasil de ética, de homens públicos que
observem a ordem jurídica. A Constituição não é um documento lírico, tem que
ser respeitada - afirma Marco Aurélio.
Na avaliação de Marsico, que desde 2008 questiona o pagamento
de salários acima do teto constitucional, a solução é política e ainda não foi
tomada porque atingiria agentes públicos importantes que recebem acima do teto,
como parlamentares com direito a aposentadorias.
- É o pensamento mesquinho de poucos que estão no topo,
gerando um prejuízo para os cofres públicos. A solução não é técnica.
Tecnicamente está absolutamente resolvido. A solução é política, é mexer no
vespeiro - afirma Marsico.