Paulo Celso Pereira
O Globo - 02/07/2012
Discrepância de salários entre carreiras do funcionalismo
federal pode chegar a 580%
A divulgação dos
salários de todos os servidores públicos do Executivo federal, que começou
nesta semana por força da Lei de Acesso à Informação, revelou o tamanho da discrepância
entre as remunerações de diferentes áreas. Embora em toda campanha eleitoral
candidatos apregoem nos palanques que ensino e saúde são prioridades do país,
isso não se reflete na estrutura salarial do funcionalismo federal. Entre as
carreiras de nível superior, ninguém recebe tão pouco quanto professores e
médicos. As diferenças chegam a 580% quando se compara o salário inicial de um
professor auxiliar universitário ou de escolas técnicas em início de carreira,
com 40 horas semanais, com o de um advogado da União com mesma carga horária: o
primeiro começa com R$ 2,2 mil; o segundo, com R$ 14.970. Essa discrepância na
folha de pagamento federal é um reflexo do que já se verifica na iniciativa
privada.
Esse mesmo advogado chega ao setor público ganhando 368% a
mais que um médico federal de início de carreira, que tem salário de R$ 3,2
mil. O GLOBO fez levantamento dos salários de todas as carreiras de nível
superior do serviço público federal - do Executivo, do Legislativo e do
Judiciário. Na elite do Executivo estão carreiras como delegado da Polícia
Federal, perito criminal, advogado da União, procurador federal, auditor fiscal
da Receita e diplomata. Todos têm salários iniciais a partir de R$ 13 mil e no
fim da carreira os vencimentos passam dos R$ 18 mil, isso sem contar
gratificações.
O levantamento dessas discrepâncias salariais dentro da área
pública dá continuidade à reportagem de ontem do GLOBO que mostrou que
funcionários do setor público ganham, em média e por hora trabalhada, mais que
os do setor privado formal em 87,8% das ocupações. Levantamento feito pelo
jornal, a partir do Censo 2010, sinaliza que , em 338 empregos em que foi
possível comparar as duas áreas, em 297 o serviço público pagava melhor.
Um professor de universidades ou de escolas federais, como
Cefet e Pedro II (Rio), que trabalhe 40 horas por semana, recebe salário
inicial de R$ 2.215,54 e no fim da carreira, com cursos de doutorado, pode
chegar a R$ 5.918,95. Caso tenha dedicação exclusiva à universidade ou à escola
federal, seus vencimentos começam em R$ 2.872,85 e podem chegar ao fim da
carreira, após doutorado, a R$ 12.225,25.
Situação semelhante é vivida pelo médico federal. De acordo
com o Boletim Estatístico de Pessoal do Ministério do Planejamento, o médico
que trabalhe 40 horas semanais ingressa na carreira recebendo R$ 3.225,42 e
chega no fim da carreira com R$ 5.650, fora as gratificações.
Em termos salariais, "o Senado é o céu"
Bem próximo deles na rabeira dos salários do funcionalismo
está outra carreira vista como decisiva para o futuro do país, a de
pesquisador. Os tecnologistas e analistas em gestão de pesquisa em Ciência e
Tecnologia recebem salários iniciais de R$ 4.549,63 e no fim da carreira, com
doutorado completo, podem chegar a R$ 14.175,82.
Se a diferença dentro do Executivo já impressiona, quando se
comparam esses salários com os dos outros poderes, ela se torna aterradora.
Salários de nível superior na Câmara começam em R$ 11.914,88 e chegam a R$
17,352,53 para especialistas em técnica legislativa, analistas de informática,
consultores, jornalistas e taquígrafos.
Mas, como já dizia Darcy Ribeiro, o Senado é o céu. Lá, os
concursados de nível médio, como policiais legislativos, ingressam no serviço
público recebendo R$ 13.833,64. Já os salários de nível superior, voltados a
analistas legislativos, gestores, médicos e jornalistas, começam em R$
18.440,64 e chegam a R$ 20.900,13 no fim da carreira.
O topo da burocracia nacional, no entanto, são os advogados
e consultores do Senado. O salário inicial dessas carreiras é de R$ 23.826,57 e
chega a R$ 25.003,21. Esses vencimentos batem os da elite do Poder Judiciário,
onde os juízes concursados ingressam com vencimentos de R$ 21.766,15 e, quando
chegam a juiz de tribunal regional, alcançam R$ 24.117,62. Sempre sem
considerar as gratificações, horas extras e outras comissões por títulos e/ou
funções.
Para a economista Margarida Gutierrez, da Coppead/UFRJ, há
um exagero nos valores pagos a boa parte do funcionalismo do país.
- Os salários do setor público federal não são condizentes
com a situação do país. São maiores que os pagos nos Estados Unidos e na
Europa. Somos um país pobre - explicou a professora.
Ela vê na disparidade salarial uma demonstração das
prioridades governamentais, ressaltando que, nos últimos quatro anos, o governo
reajustou quase todas as carreiras, mas os professores ficaram fora:
- O professor está totalmente defasado, apesar de o serviço
federal no país ser exorbitantemente bem pago. Isso mostra que o governo não
tem o menor interesse em promover educação.
O Ministério da Educação reconhece que o salário dos
professores universitários é mesmo baixo, como também o dos da educação básica.
Assessores envolvidos na discussão ressaltam que o governo cumpriu acordo com
os sindicatos dos professores, feito ano passado, de dar aumento de 4% em março
último, mais a incorporação das gratificações. E que há um compromisso de até o
mês que vem encaminhar o plano de carreira dos professores.