O Globo -
02/07/2012
Funcionários sem nível superior no Senado ganham seis vezes
mais do que um engenheiro em início de carreira
Brasília - Sedãs BMW e Mercedes-Benz, caminhonetes Dodge e
Land Rover, diversos carros de luxo. A garagem, que em alguns momentos faz
lembrar a de grandes times de futebol, fica na verdade no subsolo do Senado
Federal. Os carros importados são da elite do funcionalismo federal, onde boa
parte dos servidores recebe o mesmo que a presidente Dilma Rousseff.
A apenas seis quilômetros dali, num local chamado Colina, as
garagens privativas estão ocupadas preponderantemente por carros populares e
médios de Volkswagen, Fiat, Ford e Chevrolet. Trata-se dos prédios destinados a
professores de carreira da Universidade de Brasília, um dos institutos federais
mais prestigiados do país.
A disparidade entre os dois estacionamentos reflete a
distância salarial que separa categorias federais. Só o IPVA de alguns carros
de servidores do Senado consumiria um mês de trabalho de professores
universitários.
Aos 27 anos, José Edil de Medeiros conhece bem os dilemas
que assolam quem opta por ingressar no magistério hoje. Mestre em Engenharia
Elétrica, Medeiros se viu em 2010 numa sinuca. Ao mesmo tempo, passou nos
concursos para professor da Faculdade de Tecnologia da UnB e para especialista
em regulação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
Apesar de o salário na agência ser o dobro do de professor,
Medeiros escolheu o magistério. Prestes a apresentar seu projeto para iniciar
um doutorado em convênio com a Universidade de Tecnologia de Delft, na Holanda,
o professor recebeu no último mês salário de R$ 4.659,78 líquidos.
- Concluí que na universidade ia poder me desenvolver mais,
fazer um trabalho mais interessante, e ainda estou muito jovem. Mas tenho
vários exemplos de colegas que se formaram comigo que desistiram da área
técnica e optaram por um trabalho administrativo por uma questão salarial.
José Eduardo Martins, de 55 anos, é professor de
licenciatura do Departamento de Física da UnB. Sua tarefa é preparar quem
deseja dar aulas no Ensino Médio. Mas boa parte dos alunos de Martins está no
curso para tentar ingressar na carreira de perito criminal. Quem passa nesse
concurso da Polícia começa a carreira recebendo cerca de R$ 13,4 mil.
Praticamente o dobro do salário de R$ 6.996,96 brutos - R$ 5.312,32 líquidos -
que o professor conseguiu atingir após um mestrado e 14 anos de aulas na UnB.
- Nos cursos de engenharia, a maioria esmagadora não quer
ser professor. Boa parte quer o diploma para fazer concursos para outras áreas.
Poucos têm vocação - explica Martins.
Proximidade do poder também contribui na hora da decisão
No magistério, entre os cerca de 100 mil professores do
país, pouquíssimos conseguem atingir o status a que chegou Nelson Gonçalves
Gomes. Aos 68 anos, 36 deles dedicados às aulas na UnB, ele chegou ao posto de
professor titular do Departamento de Filosofia da universidade. Doutor na
Alemanha, Gomes recebe hoje R$ 19.899 brutos, ou R$ 13.813 líquidos. Para ele,
a atração por outras carreiras também se deve á proximidade do poder.
- No Senado e na Câmara há cerca de 5 mil funcionários que
estão muito próximos do poder. Esses pessoas todas ganham salários
estratosféricos e se aposentam com mil benefícios. É mais fácil os
parlamentares cederem às pressões deles do que à nossa.
Professor da Faculdade de Tecnologia da UnB desde 1996, o
engenheiro Alexandre Ricardo Romariz concorda:
- Alguns alunos fazem concurso para nível médio no Senado
para ganhar R$ 13 mil iniciais. Afinal, o salário inicial de um engenheiro na
iniciativa privada gira entre R$ 2 mil e R$ 3 mil.
(Paulo Celso Pereira)