Raymundo Costa
Valor Econômico -
09/08/2012
Brasília - A
presidente Dilma Rousseff passou do discurso à prática e determinou a
assinatura dos primeiros convênios com São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná a fim
de substituir servidores federais em greve por funcionários estaduais e
municipais, conforme permite decreto baixado por ela no fim de julho.
A
avaliação do Palácio do Planalto é que o decreto 7.777 do dia 24 de julho - e
que permitia a substituição dos servidores em greve por temporários ou
funcionários estaduais e municipais - na prática, ainda não funcionou, apesar
de algumas portarias assinadas pelos respectivos ministérios.
A ordem no governo federal é endurecer com os grevistas, mas
a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, acenou com uma proposta aos
servidores, na próxima semana. "Iniciamos o ano com uma perspectiva
econômica melhor, mas ao longo do ano foi piorando. O governo teve que refazer
seus cálculos", disse a ministra.
O ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da
Presidência, disse que prioridade é "usar o espaço fiscal para cuidar do
emprego daqueles que não têm estabilidade". Segundo ele, o diálogo não
está fechado. "Temos, ao longo de agosto, a possibilidade de vir a
discutir e apresentar propostas, o que faremos. Mas temos a responsabilidade de
fazer na hora em que tivermos segurança da proposta", afirmou, ao deixar a
Conferência Nacional de Emprego e Trabalho Decente, em Brasília, onde foi
vaiado por parte do auditório.
A tensão na negociação ficou clara ontem em frente ao
Ministério do Planejamento. Cerca de 500 manifestantes, representando 23
carreiras típicas de Estado, criticaram a "intransigência" do governo
nas negociações de reajuste salarial. Os manifestantes criaram até um
neologismo para criticar a postura da presidente: "Dilmadura." A
Esplanada dos Ministérios praticamente parou com novas adesões ao movimento na
Secretaria do Tesouro, Receita Federal e até na Controladoria-Geral da União
(CGU).
Até ontem, eram 36 categorias em greve em todo o país, num
total de mais de 350 mil servidores. No Palácio do Planalto auxiliares da
presidente reagiram quando jornalistas avisaram sobre os conflitos no canteiro
de obras da refinaria Abreu Lima, em Pernambuco: "Epa, esse aí é
iniciativa privada."
Carvalho argumenta que é preciso considerar o momento de
crise internacional para "darmos passos seguros". "A
responsabilidade nossa é muito maior neste momento", disse o ministro,
encarregado de lidar com os movimentos sociais. O governo, segundo Carvalho,
entende que há carreiras no serviço público que precisam de correções. O
ministro citou como exemplo a proposta de reajuste oferecida aos professores de
ensino universitário. "Nós temos sensibilidade para isso", afirmou.
A situação, de acordo com o secretário-geral da Presidência
da República, é especial e, por isso, a presidente foi "enfática" ao
dizer que o governo quer aplicar a sobra fiscal no "processo de isenção,
de estímulo à produção para garantir o trabalho daqueles que, amanhã ou depois
podem ser demitidos".
A vigilância sanitária e o Ministério da Agricultura saíram
na frente nas providências para substituir servidores, mas os convênios em
relação a órgãos da Fazenda e da Justiça também já estão encaminhados.
"Tenho certeza que os policiais garantirão as atividades essenciais, como
já vêm fazendo", disse o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.
Segundo balanço divulgado pela Federação Nacional dos
Agentes da Policia Federal (Fenapf), a adesão à paralisação atinge 80% dos
policiais, chegando a 100% no Distrito Federal. "O governo não pode ser
irresponsável", disse o ministro. A situação é dramática nos portos. As
principais categorias que operam os terminais está parada: policiais federais,
servidores da Receita Federal e técnicos da vigilância sanitária, entre outros
funcionários da União.
A greve dos fiscais agropecuários já reduziu o número de
fiscalizações em contêineres de 1.200 para 80 por dia. O Superior Tribunal de
Justiça (STJ) determinou que pelo menos 70% dos servidores da Anvisa devem
permanecer nos postos de trabalho. Os líderes sindicais agora ameaçam
paralisação total - dizem que 30% do pessoal estava trabalhando até agora.
Uma portaria publicada pelo ministro da Agricultura, Mendes
Ribeiro, avaliza a chamada de funcionários estaduais e municipais, desde que
"verificada a iminência de danos à saúde, ao abastecimento público e à
economia do país, colocados em risco em razão da paralisação das atividades de
defesa, vigilância, inspeção e fiscalização agropecuária em decorrência da
decretação de greve".
A Policia Rodoviária Federal reforçou ontem a fiscalização
nas estradas de diversos Estados, gerando longos trechos de congestionamento. A
operação-padrão faz parte do movimento de greve parcial dos servidores públicos
federais, em vigor há quase 50 dias.
O empresário Robson Andrade, presidente da Confederação
Nacional da Indústria (CNI), aproveitou a Conferência Nacional de Emprego e
Trabalho Decente para defender a modernização das relações de trabalho. Para
ele, o governo deve ampliar o debate com empresários e líderes sindicais para
modernizar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
O presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT),
Vagner Freitas, afirmou que os empresários precisam "se modernizar" e
criticou as decisões recentes tomadas pelos governos europeus, de cortar os
salários de servidores públicos. "Não tentem fazer isso aqui no
Brasil", disse Freitas, aplaudido por servidores em greve.
(Colaboraram Lucas Marchesini, Tarso Veloso e João
Villaverde, de Brasília, Fernanda Pires, de Santos, e Luiz Henrique Mendes, de
São Paulo)