O Estado de S. Paulo
- 04/03/2013
A média salarial dos trabalhadores do setor público, em
todos os níveis da administração, atingiu pouco mais de R$ 3.000 no final do
ano passado, enquanto a iniciativa privada paga menos de R$ 1.600, segundo
dados do IBGE. Eis a principal razão pela qual a carreira no funcionalismo tem
atraído milhares de candidatos todos os anos. Aqueles que não cumprem os
requisitos mínimos alimentam o negócio de empresas que se dedicam a treinar os
candidatos para ás provas. Um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da
Universidade Federal Fluminense (UFF) mostra que esses testes selecionam não os
candidatos mais adequados para os cargos em disputa, mas os que se prepararam
melhor para a prova, independentemente do currículo acadêmico ou profissional
que tenham. Essa situação compromete a qualidade do serviço público.
Cerca de 12 milhões de pessoas estão interessadas em
ingressar no funcionalismo, segundo a Agência Nacional de Proteção e Apoio ao
Concurso Público (Anpac), que defende os interesses do setor e estima em R$ 30
bilhões o movimento anual. Essa multidão evidentemente está atrás dos
benefícios associados ao serviço público, que vem sendo valorizado desde o
governo de Fernando Henrique Cardoso. Um consultor legislativo que assessora
senadores, por exemplo, pode ganhar quase R$ 24 mil somando-se todos as
vantagens a que tem direito. Além disso, o servidor tem estabilidade - fator
frequentemente citado pelos candidatos como decisivo - e um salário inicial
muito acima do oferecido pela iniciativa privada. Se tiver nível superior, o
aprovado pode começar ganhando mais de R$ 10 mil.
Estima-se que, somadas, as esferas da administração pública
terão de oferecer ao menos 400 mil vagas nos próximos dois anos, graças à
perspectiva de aposentadoria de milhares de servidores - atualmente, 40% dos
funcionários públicos têm mais de 50 anos de idade. Somente neste ano, a
estimativa é que sejam abertos mais de 120 mil cargos públicos em todo o País.
A concorrência é muito forte. Um exemplo foi o concurso
aberto pela Petrobrás em 2012, que ofereceu 1.521 vagas. Inscreveram-se 330.568
pessoas, ou seja, havia 217 candidatos por vaga, uma disputa muito superior à
verificada para o ingresso nas carreiras mais concorridas nas grandes
universidades públicas. Diante disso, são comuns as histórias de grande
dedicação aos estudos por parte dos candidatos, chegando a mais de dez horas
por dia durante dois anos para conseguir ingressar nas carreiras mais
cobiçadas.
Em vez de ser garantia de que os melhores profissionais
serão aprovados, no entanto, o modelo atual torna o concurso "um fim em si
mesmo", conforme diz o estudo da FGV e da UFF, pois é incapaz de auferir
as competências reais dos candidatos. Além disso, a pesquisa mostra que os
melhores salários estão vinculados às provas mais difíceis e complexas, e não
às exigências curriculares dos candidatos. Ademais, a administração pública não
utiliza o estágio probatório, mecanismo que permite demitir os aprovados que,
após três anos, demonstram não ter a necessária qualificação para a função.
Para mudar esse quadro, os pesquisadores sugerem que os
concursos abandonem o modelo de prova de múltipla escolha, utilizado em quase
todos os exames na última década. Em lugar disso, os candidatos seriam
submetidos a provas dissertativas, que levem em conta situações reais da
carreira. O estudo recomenda até a aplicação de provas práticas em alguns
casos. Também sugere que haja diferentes tipos de concurso para encontrar
jovens talentos no meio universitário, para funcionários que já estejam no
serviço público e queiram mudar de função e para atrair e selecionar
profissionais experientes do mercado.
Não se pode perder de vista que o concurso público é a
maneira mais adequada para evitar que o compadrio e a politicagem rasteira
definam quem ocupará os cargos públicos no Estado. Por esse motivo, é
indispensável reformar o modelo, como propõem a FGV e a UFF, de modo a
transformá-lo num instrumento de efetivo aperfeiçoamento da administração
pública.