Congresso em Foco
- 01/11/2013
Delegados, agentes, escrivães e administrativos não se
entendem quanto às reais funções e equilíbrio nos salários. Investigadores
também se ocupam com emissão de passaportes e escolta de seleções de futebol
Categorias profissionais que compõem a Polícia Federal estão
em conflito quanto a seus salários e às funções que deveriam realmente exercer.
A disputa inclui cargos de chefia e remunerações mais próximas.
Os delegados,
que acumulam os principais postos na PF, são o alvo. Hoje, há 13 mil
funcionários efetivos na corporação, com rendimentos que variam dos R$ 4 mil
aos R$ 22 mil. Na quinta-feira (31), agentes da polícia em quase todo país em
fizeram paralisação de 24 horas em protesto contra as condições de trabalho e
melhores salários.
A Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) vê uma
clara divisão na corporação. De um lado, delegados e peritos, com os melhores
salários e, de quebra, quase todos os cargos de chefia. De outro, os chamados
“epas”, gíria para “escrivães, agentes e papiloscopistas”. Na ponta, os
funcionários dos setores administrativos. Essas três “castas”, nas palavras do
diretor da federação, Flávio Werneck, guerreiam dentro da polícia por salários
e por reconhecimento profissional e até pessoal entre os colegas.
O vice-presidente da Fenapef, Luís Antônio Boudens, endossa.
“Há um embate interno muito forte. A Polícia evoluiu, mas os delegados
resistem”, diz ele. De acordo com Werneck, não existe clima de cooperação entre
os setores, num “apartheid institucional”, em que falta confiança mútua para
tocar o trabalho direito.
A briga bate no bolso também. Os agentes, escrivães e papiloscopistas
chegaram a rejeitar o aumento de 15% divididos em três parcelas que o governo
Dilma Rousseff deu a todas as carreiras da União no ano passado, mas hoje se
queixam de perdas inflacionárias de quase 100%. O motivo é que os delegados
novatos ganharam 26%. Os “epas” queriam o mesmo tratamento. Hoje, um “epa”
ganha de R$ 7,5 mil a R$ 11,8 mil, dependendo da posição na carreira. Um
delegado varia de R$ 16 mil a R$ 22 mil.
O presidente da Associação dos Delegados da Polícia Federal
(ADPF), Marcos Leôncio, considerou a avaliação uma “leviandade”. Ele defende a
reposição salarial dos agentes e escrivães para um valor mais próximo do dos
delegados, mas critica a posição dos líderes sindicias. “Por que eles não
aceitaram o aumento de 15%? A culpa é dos delegados?”
Em um dos protestos de ontem, no aeroporto de Brasília, os
agentes diziam ter perdas inflacionárias de 87% entre 2001 e 2014. Os agentes
diziam que a PF estava à beira da morte e pediam “SOS” para a corporação.
Werneck disse que a categoria quer autorização legal expressa para patrulhar e
investigar em portos, aeroportos e fazer controle de químicos e em armas.
Nos últimos 40 anos, 36 policiais federais morreram em
serviço. Destes, dez se suicidaram no período de um ano, mostrou reportagem da
revista Istoé. Para Werneck, é claro que os agentes tinham conflitos pessoais
consideráveis. Mas ele credita as mortes também aos problemas salariais e
institucionais da corporação. “O ambiente de trabalho tem influência direta”,
diz o diretor da Fenapef.
Desvio de função
Os agentes, peritos e servidores administrativos entendem
que há vários desvios de função na Polícia Federal que contribuem para
desperdício de profissionais e de dinheiro público. Hoje, alguns investigadores
– muitos com formação em direito – emitem passaportes, outros fazem escolta de
seleções estrangeiras de futebol, atuam em serviços burocráticos na corporação
como a administração dos cadastros das empresas de segurança privada.
“A presença do investigador deve ser na rua, com autonomia
para o agente coletar provas”, afirma Boudens. “Vivemos um momento de desvio de
função emblemático”, completa o presidente da Associação dos Peritos Criminais
Federais (APCF), Carlos Antônio de Oliveira. Para ele, o correto seria colocar
esses policiais na rua ou no setor de informações para as áreas de
inteligência.
Não é só por mera redistribuição de trabalho. Sem a
reorganização, a polícia fica mais lenta e mais cara para o contribuinte. O
raciocínio é que fica mais difícil reunir agentes em torno de um mesmo caso.
“Isso impacta nos custos para a Polícia Federal, porque o inquérito demora mais
tempo”, critica Carlos Antônio. Ele compartilha a ideia de que cargos
administrativos devem ser ocupados por funcionários administrativos. Hoje, até
a Diretoria de Logística é ocupada por um delegado.
A presidente do sindicato dos funcionários administrativos
(Sinpecpf), Leilane Ribeiro, afirma que, com os salários mais baixos, metade
dos servidores deixou a carreira. Não houve mais concursos desde o primeiro,
feito em 2004. Com isso, agentes vão cumprir serviços burocráticos. “Você
tiraria o Neymar do time para colocá-lo no setor de compras da CBF?”, diz uma
campanha do sindicato distribuída em redes sociais. “Pois na PF isso é bastante
comum.”
Por trás da disputa por funções, está a melhora salarial. Os
cargos comissionados garantem uma projeção profissional e financeira
interessante na carreira. Para delegados, nada é problema na divisão de postos
de chefia. “Quem manda na PF são os delegados”, resume o presidente da
Associação dos Delegados da Polícia Federal.
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