Ana D'Angelo
Correio Braziliense
- 06/01/2014
Mesmo denunciados, servidores públicos flagrados em atos
ilegais permanecem recebendo vencimentos até o fim do processo administrativo, o que costuma levar
sete meses, em média, mas pode durar 10 anos
O governo federal encerrou o ano com 13.036 servidores do
Executivo na geladeira. Eles respondem a 9.344 procedimentos disciplinares —
sindicâncias e Processos Administrativos Disciplinares (PADs). Enquanto
aguardam o desfecho da apuração das supostas irregularidades cometidas, muitos
ficam sem os eventuais cargos de chefia que anabolizavam a renda, mas seguem
trabalhando em outros setores, embolsando o salário integral. No caso de alguns
deles, polpudos vencimentos. Outros optam por antecipar a aposentadoria. Não
menos gorda. Há aqueles que nem trabalhando estão, mas o salário continua
caindo na conta.
Os dados da Controladoria-Geral da União (CGU) apontam que
18% dos PADs concluídos nos últimos cinco anos comprovaram o envolvimento do
servidor em falcatrua e resultaram em expulsão do funcionário — total de 2.456.
São esses que o contribuinte continua pagando o salário pelo tempo que dura a
apuração até a demissão, que pode levar mais de 10 anos desde a ocorrência dos
fatos. Apenas 7% deles conseguiram reintegração por liminar judicial — sem
julgamento do mérito.
A CGU garantiu que o tempo médio de duração dos PADs no
Executivo federal é de sete meses, da instauração ao relatório, sem contar o
prazo para decisão final do ministro responsável pela pasta. Porém, não
divulgou quais são os mais antigos ainda em tramitação. Entre 2009 e 2013,
foram julgados 18.443 desses processos administrativos. Outros 30% dos
servidores punidos receberam suspensão das atividades por até 90 dias, e 22%
foram advertidos.
As sindicâncias e os PADs mais rápidos apuram condutas do
trabalho diário, como excesso de faltas ou desídia. São os que resultam, em
geral, em punição mais leve e na manutenção do emprego público. Os que
investigam denúncias de corrupção demoram anos. Há casos de servidores que,
mesmo flagrados promovendo falcatruas na administração pública, conseguem
manter o cargo comissionado enquanto dura a apuração interna.
Preso na Operação Porto Seguro da Polícia Federal, em
novembro de 2012, Rubens Vieira não ocupa mais a cadeira de diretor da Agência
Nacional de Aviação Civil (Anac). No contracheque, no entanto, nada mudou
nesses 13 meses. Ele, o irmão Paulo Vieira, a ex-chefe de gabinete do
escritório da Presidência da República em São Paulo Rosemary Noronha e outros
servidores são acusados de integrar uma quadrilha que fabricava pareceres
técnicos em vários órgãos federais para lesar os cofres públicos em benefício
de políticos e empresários.
Enquanto o PAD não é concluído, Vieira continua embolsando,
sem uma gota de suor da labuta diária, R$ 28 mil de salário. Inclui o
vencimento básico de servidor de carreira da Procuradoria da Fazenda Nacional,
de R$ 20,4 mil; mais 11,8 mil por conta da Anac. Somam R$ 32,2 mil mensais. O
valor cai para R$ 28 mil porque bate no teto constitucional do funcionalismo.
Ele se valeu da Lei nº 11.182 de 2005 que criou a Anac, que
afasta preventivamente o diretor envolvido em irregularidades, mas garante o
pagamento do salário até a conclusão do PAD. “Enquanto não sai o resultado, o
diretor continua afastado, recebendo seus vencimentos”, informou a Anac.
“Afastado”
O irmão de Rubens, Paulo Vieira, também preso na operação da
PF, pediu o boné da Agência Nacional de Águas (ANA). O revés, no entanto, não
significa que ele ficou mal do bolso. O salário de R$ 18,2 mil de analista do
Tesouro Nacional continua caindo todo mês na conta-corrente, embora Paulo não
trabalhe desde o ano passado. “Por estar respondendo processo administrativo, é
considerado afastado preventivamente e, portanto, não se encontra em exercício
na STN. Seu salário está sendo pago pelo Ministério da Fazenda, conforme
determina legislação em vigor ”, informou a pasta.
Tiago Pereira Lima, ex-diretor da Agência Nacional de
Transportes Aquaviários (Antaq), também preso por participar da quadrilha,
pediu aposentadoria em julho do ano passado como técnico de Finanças e Controle
da STN. Também espera em casa o desfecho do PAD embolsando todo mês o benefício
de R$ 9,4 mil. Os outros denunciados na mesma operação, como o ex-advogado
adjunto da União José Weber Holanda Alves, seguem trabalhando e recebendo.
Procurador federal de carreira, Weber despacha atualmente na Escola da
Advocacia-Geral da União, em Brasília, com o salário de R$ 20,4 mil.
A má notícia para o contribuinte é que esses processos não
devem ser encerrados tão cedo. AGU e CGU prometem a conclusão até junho deste
ano — a previsão anterior era junho de 2013— , mas poucos apostam nisso. A
própria AGU justificou a demora pela necessidade de analisar 20 mil páginas de
documentos e 10 mil horas de gravação, sem contar o direito à ampla defesa dos
envolvidos.
Nos outros Poderes, a demora se repete. Promotor de Justiça
de Goiás, Demóstenes Torres continua recebendo todo mês, desde outubro de 2012,
o salário integral de R$ 25,7 mil, sem trabalhar. O Conselho Nacional do
Ministério Público (CNMP) manteve o afastamento do ex-senador do DEM até o
término da apuração no âmbito do MP. Ele foi cassado pelo Senado em julho de
2012, por quebra de decoro parlamentar. No fim de 2013, o presidente do Supremo
Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, também decidiu a favor do desembargador do
Tribunal de Justiça de São Paulo Arthur del Guércio Filho e manteve o salário
integral, de R$ 27 mil, até que o processo aberto contra o magistrado por venda
de sentenças seja concluído.
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