Agência Câmara Notícias
- 24/02/2014
Quem defende a proposta diz que ela corrige uma injustiça
histórica. Quem é contra diz que a reserva é inconstitucional. Apesar da
controvérsia, a proposta já foi aprovada em duas comissões. Agora, aguarda votação
no Plenário.
Cotas para negros em universidades e agora em concursos
públicos. A Câmara dos Deputados deve votar neste ano o Projeto de Lei 6738/13,
do Executivo, que reserva 20% de vagas para negros, por um período de dez anos,
em concursos realizados no âmbito da administração pública federal, das
autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de
economia mista controladas pela União.
Os defensores acreditam que a proposta seja uma reparação
pelo abandono em que a população negra foi deixada após o fim da escravidão.
Afinal, a maior parte da população brasileira é descendente de pessoas que
foram escravizadas. Mas ainda hoje eles ocupam os piores postos de trabalho e
poucos chegam à universidade ou aos cargos mais cobiçados em concursos.
Quem é contra acredita que esse tipo de ação pode gerar uma
resposta racista e mudar a relação entre negros e brancos no Brasil, um país
onde nunca existiu segregação ou apartheid de forma oficial.
Para o antropólogo e professor da Universidade de Brasília
(UnB) José Jorge de Carvalho, essa é uma possibilidade. Mas, como não é
possível testá-la, é mais importante resolver o racismo real, que existe hoje
em todo o Brasil. “Os negros estão praticamente em 1% em todas as categorias
mais altas, como na classe médica, na classe diplomática, dos professores
universitários, dos juízes. Se continuarmos assim, vamos passar o século 21
como uma das sociedades mais racistas do mundo. As cotas em concursos são uma
forma de diminuir esse panorama de desigualdade racial, mas não vão resolver o
problema, vamos demorar muito mais para resolver isso”, ressalta.
José Jorge de Carvalho foi quem propôs a primeira dessas
ações: o sistema de cotas adotado pela UnB. Esse sistema inspirou o governo a
criar a lei de cotas em universidades, a primeira ação afirmativa, como são
chamadas essas reparações a uma parte da população que se encontra em
desvantagem. Na UnB, o vestibular reserva 20% das vagas para candidatos negros
há 10 anos, e esse número permaneceu mesmo depois da aprovação da Lei de Cotas
(12.711/12).
Critério de renda
Uma opção, defendida por muitos, é beneficiar pessoas de
baixa renda. Para o professor Ernani Pimentel, fundador da Associação Nacional
de Proteção e Apoio aos Concursos, cotas poderiam beneficiar pessoas pobres,
vindas da escola pública. “Eu não sou contra uma reparação da sociedade por
tudo o que fizeram com os negros. Na verdade, acho que o Estado tem de
reconhecer e recompor esses dados. Agora, não pode ficar só para os negros. A
rigor, não são só os negros que devem ser olhados, mas todos aqueles que não
têm condições de disputar cargos que demandam educação.”
Essa ideia faz parte hoje da lei de cotas para
universidades, aprovada em 2012 e que é mais restritiva que a adotada
originalmente pela Universidade de Brasília. Entre os alunos que se declaram
descendentes de negros, apenas os vindos de escolas públicas de ensino médio
têm direito às vagas. Negros de classe média, que estudaram em escolas
particulares, não são beneficiados.
A coordenadora das Ações Afirmativas da Secretaria de
Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Mônica Alves de Oliveira Gomes,
considera, porém, que o problema a ser atacado é o racismo, e por isso outras
questões devem ser separadas. “Já está largamente comprovado que o racismo não
atinge apenas as pessoas pobres. O racismo é uma realidade que está nas
relações de todas as classes sociais. As pesquisas indicam que as pessoas
negras em condições semelhantes de renda não são atingidas pelas desigualdades
da mesma maneira. A medida visa enfrentar tanto desigualdades sociais quanto
desigualdades raciais, que se cruzam nas vidas de pessoas negras fazendo com
que elas vivam situações de maior desigualdade que pessoas brancas pobres.”
Na verdade, o governo federal está nacionalizando um
movimento que já existe no Brasil.
Atualmente, quatro estados têm leis que reservam vagas para
candidatos negros (mapa acima). Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná e Mato
Grosso do Sul têm cotas em seus concursos, e alguns incluem vagas para
indígenas.
Debate na Câmara
Na Câmara, o PL 6738/13 já causou polêmica, nem tanto entre
governo e oposição, mas entre deputados que enxergam a questão de forma
diferente.
O deputado Silvio Costa (PSC-PE) acha que a proposta é
inconstitucional. “A única cota que – em tese – eu até toparia discutir seria
uma espécie de cota social. Mas essa questão da cota para negros é uma coisa
que tem de ser mais bem discutida. Esses projetos são inconstitucionais. Na
Constituição está escrito que todos são iguais perante a lei. E aí você está
penalizando os pobres brancos.”
Mas o líder do PT, deputado Vicentinho (SP), defende a
medida dizendo que as cotas nas universidades já vêm se provando úteis. “Hoje
os alunos que entraram pelo sistema de cotas estão tendo resultado melhor ou
igual em comparação com outros alunos”, ressalta.
Apesar da controvérsia, a proposta, apresentada em novembro
do ano passado, foi aprovada nas comissões de Direitos Humanos e Minorias, e de
Trabalho, de Administração e Serviço Público, além de ter parecer favorável na
Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ). O projeto aguarda
votação no Plenário da Câmara, onde tranca a pauta por tramitar em regime de
urgência constitucional.