Correio Braziliense
- 31/01/2016
Interpretação do CNMP dribla regras da lei para garantir o
pagamento de auxílio-moradia para procuradores e juízes
Apesar de impor critérios mais rígidos contra o pagamento
generalizado do auxílio-moradia de R$ 4.377 por mês, a Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO) não será aplicada a procuradores do Ministério Público e
magistrados. Na última semana, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP)
interpretou que as regras não se aplicam à categoria. Juízes têm o mesmo
entendimento. O chamado Conselhão ainda pediu que a Procuradoria-Geral da
República (PGR) tente derrubar a lei na Justiça. A assessoria do procurador-geral
da República, Rodrigo Janot, disse que ele não recebeu o pedido ainda, mas que
estudará o caso.
Um dos argumentos do Conselhão é o de que a própria
presidente Dilma Rousseff liberou, no último dia 19, o valor necessário ao
pagamento da regalia a todos que o recebem. Especialistas em contas públicas
criticam, além do benefício em si, a liberação do dinheiro pelo Executivo por
meio de crédito extraordinário, que só poderia ser usado em caso de
"urgência ou catástrofe". A decisão do CNMP permite que os procuradores
recebam, ao contrário da LDO, diárias superiores a R$ 700.
Hoje, a diária da categoria gira na casa dos R$ 900. O
auxílio-moradia - que pode ser recebido por magistrados e procuradores mesmo
que já tenham residência no local de trabalho - custa aproximadamente R$ 450
milhões por ano aos cofres públicos e é apontado como um item para elevar os
rendimentos artificialmente e, em alguns casos, criar supersalários além do
limite legal de R$ 33,7 mil por mês. "Esse pagamento indiscriminado acaba
sendo uma forma de remuneração", disse ao Correio a presidente da
associação dos defensores públicos da União (Anadef), Michelle Leite. Na semana
passada, os defensores abriram mão do benefício irrestrito para cumprir a LDO e
livraram os cofres públicos de uma despesa anual de R$ 32 milhões.
Reunião
A decisão de continuar a fornecer a benesse tal como ela é
foi dada na última semana, em resposta a um pedido de providências da
Advocacia-Geral da União (AGU) no início do mês que solicitou ao CNMP, bem como
ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que a LDO fosse cumprida. Mas, após
reunião, os conselheiros aprovaram por unanimidade o voto do relator Valter
Shuenquener de Araújo. Na intepretação dele - que coincide com a defendida dias
antes pelas duas categorias -, a LDO não deveria ser cumprida porque ela não
pode se sobrepor a duas outras leis complementares que determinam pagar o
auxílio-moradia de forma ampla.
O CNMP aceitou somente o pedido da AGU para cumprir regra
das de resolução da categoria que impede pagar o benefício quando o cônjuge já
o recebe ou quando há aposentadoria ou afastamento. A AGU já acionou o
Judiciário mais de uma vez por acreditar que há beneficiários que não se
enquadram nos padrões. Os argumentos definidos pelo Conselhão foram organizados
por líderes da Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público
(Frentas) em uma reunião em Brasília.
Além da questão do auxílio, o CNMP entendeu que não deve
respeitar o teto de R$ 700 como limite de diárias imposto na lei orçamentária.
Na decisão, o CNMP alega não descumprir a LDO porque o artigo nº 17 da lei
determina que deve ser feita "a incidência dos critérios elencados
"até que lei específica disponha sobre valores e critérios de concessão, o
pagamento de ajuda de custo para moradia ou auxílio moradia"". E, no
caso, já há leis complementares que não podem ser sobrepostas.
O argumento para não cumprir a LDO é reforçado com a tese de
que o próprio Executivo interpreta que o pagamento do auxílio deve ser mantido.
Isso porque o Palácio do Planalto editou medida provisória para liberar crédito
extraordinário com o objetivo de efetuar o pagamento.
"Professores ganham mal, mas têm uma quantidade de
férias tão grande ou maior que procuradores e juízes. Faz parte do pacote de
cada uma das carreiras"
José Robalinho, presidente da Associação Nacional dos
Procuradores da República (ANPR)
Regras atropeladas
A LDO deste ano definiu restrições aos gastos com
auxílio-moradia e diárias, mas leis complementares do Judiciário e do MP
permitem mais liberalidade
Valor mensal do auxílio-moradia:
R$ 4.377
Teto da diária de servidores, políticos e autoridades,
segundo a LDO:
R$ 700
Membros do Judiciário da União:
6.400*
Membros do MP da União:
2.206
Total: 8.606 servidores
Fonte: Lei de Diretrizes Orçamentárias