Célia Perrone
Correio Braziliense
- 07/08/2016
Equipe econômica admite que a resistência no Congresso às
mudanças no sistema previdenciário será grande. Mas frisa que está preparada
para derrotar as corporações
Policiais e professores, que hoje se aposentam depois de 25
anos de contribuição, terão as regras igualadas gradualmente ao longo de 15
anos. Quer dizer, ao fim desse período, terão que cumprir a idade mínima para
deixar suas funções e receberem os benefícios. No caso das mulheres que
trabalham no campo e hoje podem se aposentar aos 55 anos, a partir da aprovação
da reforma, a idade mínima aumentará um ano a cada oito meses, até os 65 anos.
"Com certeza, com as mudanças, teremos um sistema mais justo", afirma
Renato Follador, especialista em Previdência.
Para Follador, o ideal é que todos os sistemas de
previdência hoje vigentes convirjam para um só. Ele ressalta que a base do
projeto de reforma que está sendo divulgado pelo governo contempla quase todas
as propostas que ele sugeriu ao secretário da Previdência do Ministério da
Fazenda, Marcelo Caetano. "Não muda nada para quem já está aposentado, mas
implanta a idade mínima de 65 anos para homens e mulheres (o governo pode
definir 62 anos ou 63 para elas), 35 anos de contribuição para homens e 30 para
mulheres, regra de transição que aumenta em até 50% o tempo que falta para se
aposentar para quem tem mais de 50 anos", assinala.
Andar de cima
A funcionária pública Luciana Ribeiro de Melo, 36 anos, há
nove anos trabalhando no Ministério do Meio Ambiente, acredita que o governo
não pode fazer distinção para a idade mínima de aposentadoria entre homens e
mulheres. "Acho besteira homem se aposentar mais velho e mulher mais nova.
Meu marido me ajuda muito em casa e com nossos dois filhos. Não tem porque eu
me aposentar antes dele", frisa. "Como estou inserida nas regras
novas do funcionalismo, acredito que não serei tão afetada pela reforma, pois o
meu teto já será igual ao do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)",
completa.
Para Amaro Henrique do Nascimento, 66, coronel reformado da
Aeronáutica, se realmente o governo quiser convencer a sociedade de que a
reforma da Previdência é necessária, as mudanças precisam começar de cima,
pegando deputados, senadores, magistrados. A fatura, no entender dele, não deve
recair apenas sobre os trabalhadores que ganham menos. "A sociedade não aguenta mais pagar
impostos para bancar um sistema desigual, cheio de privilégios para
poucos", diz. Ele ressalta ainda que o sistema previdenciário está quebrado
e o Estado não tem mais como bancá-lo, não do jeito que está.
A advogada Melissa Folmann, diretora científica do Instituto
Brasileiro de Direito Previdenciário (IBPD), afirma que a reforma será
importante para acabar com mitos que se constroem em cima da desinformação,
resultando em um enorme prejuízo para a população. Ela recomenda às pessoas que
não se assustem nem corram para antecipar a aposentadoria, pois o resultado
pode ser desastroso, com benefícios menores do que se fossem requeridos dois ou
três anos depois. "Não haverá retirada de direitos, mas regras de
transição. É importante que isso fique bem claro", enfatiza.
Lado bom
Na avaliação do funcionário público Fernando Pereira, 32, o
lado bom da reforma é que todos terão regra única. "Veremos um sistema
mais justo. Além disso, as mudanças darão garantias de que os meus filhos
receberão a parte deles no futuro. O lado ruim é que meu benefício fica
limitado ao teto do INSS, mas eu prefiro viver num lugar melhor, que garanta o
quinhão das próximas gerações", sintetiza.
O governo já recebeu indicações de que não será fácil
quebrar as resistências do Congresso em relação à reforma da Previdência. Por
isso, quer encaminhar aos parlamentares um projeto bem elaborado, com
substância, para evitar que as corporações, que inviabilizaram as mudanças num
passado recente, tenham a voz abafada. "Estamos mapeando todos os focos de
resistência, inclusive aqueles fincados na Esplanada dos Ministérios. Vamos
derrotá-los. O discurso está pronto para a batalha. Vamos para o tudo ou
nada", diz um auxiliar do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. "A
população entenderá que estamos propondo o melhor para ela", conclui.
O que as ruas querem saber
Tire suas dúvidas com os especialistas sobre como as
mudanças no sistema previdenciário podem afetar sua vida.
Lembre-se que nada está decidido, pois o governo ainda não
fechou o projeto que será enviado ao Congresso
Como ficarão as contribuições ao INSS?
A princípio, o recolhimento só deverá mudar para os
micrempreendedores individuais (MEI) e para as donas de casa. O Instituto
Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) propôs ao Ministério da Fazenda
que, nos dois casos, a alíquota de contribuição passe de 5% para 8%,
gradativamente, a fim de atender a igualdade. Hoje, um trabalhador recolhe, no
mínimo, 8% do salário. Considerando que a contribuição seja feita pelo salário
mínimo, o empregado terá pago, a valores de hoje, ao fim de 15 anos, R$ 12.672,
ao passo que o MEI e a dona de casa terão desembolsado R$ 7.920.
Só terá acesso à aposentadoria quem tiver 65 anos ou mais?
Com essa idade, será necessário comprovar tempo de contribuição?
Pelo projeto que está em discussão, independentemente do
tempo de contribuição, o que valerá para a aposentadoria será a idade. O
governo fala em 65 anos para os homens e 62 ou 63 para as mulheres, sendo que,
ao longo do tempo, as idades se igualariam e todos só poderiam se retirar do
mercado de trabalho aos 70 anos. Está praticamente certo que as regras que
serão aprovadas pelo Congresso valerão, de imediato, para quem tiver até 50
anos na data de promulgação da reforma. Acima dessa idade, haverá um pedágio. O
trabalhador terá que contribuir por um tempo extra, entre 40% e 50% do período
para a aposentadoria. Ou seja, se ainda faltarem cinco anos para o benefício, a
pessoa terá que pagar mais 2,5 anos ao INSS.
Também se exigirá da mulher a idade de 65 anos para se aposentar?
A diferença de idade entre homens e mulheres não se
justifica, o Brasil é uma exceção. A equipe econômica defende idade mínima de
65 anos para homens e mulheres, mas o Palácio do Planalto prefere que elas se
aposentem aos 62 ou 63 anos. Ao longo do tempo, porém, as idades tendem a se
igualar até os 70 anos. Pelas futuras regras, as trabalhadoras do campo, que
hoje se aposentam aos 55 anos, terão que sair mais tarde do mercado. A cada
oito meses, será adicionado um ano para acesso ao benefício, até chegar aos 65
anos.
Então, o tempo de contribuição deixará de existir?
Se não for extinta, como defendem alguns, a aposentadoria
por tempo de contribuição ficará mais rígida. Hoje, quem chega aos 60 anos
(mulheres) e aos 65 anos (homens) e pagou o INSS por pelo menos 15 anos pode
pedir o benefício. O valor da aposentadoria corresponde a 70% da média das
maiores contribuições, sendo acrescida de 1% por ano de pagamento ao INSS. Nas
regras futuras, o tempo mínimo de contribuição será de 20 anos e o limite fixo
cairá para 60%, mais 1% por ano de contribuição.
O pedágio vai aumentar o tempo de contribuição ao INSS?
Com certeza. Por isso, é bom ir repensando os projetos
para a aposentadoria. Alguns dizem que o governo pode optar por um sistema
misto, mesclando idade e tempo de contribuição, como existe hoje, por meio da
fórmula 85/95. Quem, inclusive, já se encaixa nessa regra deve aproveitar para
requerer os benefícios à Previdência. Os valores médios das aposentadorias por
essa regra são quase 50% maiores do que as pagas pelo fator previdenciário.
Como deve ser o processo de unificação dos sistemas
previdenciários de trabalhadores da iniciativa privada, servidores e militares,
além de policiais e professores, que têm um regime especial?
A unificação dos sistemas deve ser entendida por uma dupla
acepção: regras e fonte de manutenção. Se pensarmos em regras, os regimes de
previdência (INSS e servidores públicos) já estão se aproximando. Desde 2013,
as pessoas que ingressaram no serviço público federal deixaram de ter direito à
aposentadoria integral. Passaram a ter como teto o valor determinado pelo INSS.
Para garantir um benefício acima disso, eles são obrigados a contribuir para um
fundo de pensão, no caso, o Funpresp. A unificação dos regimes de previdência
terá uma regra de transição que deve durar 15 anos. A grande dúvida é em
relação aos militares. Há uma pressão enorme para que tudo continue como está.
O governo manterá as aposentadorias especiais para
políticos?
Deputados e senadores são segurados do INSS e recebem
aposentadoria de acordo com o mandato, ou seja, 35 anos divididos pelo número
de mandatos que exerceu. Por exemplo, se um parlamentar cumpriu dois mandatos,
recebe 8/35 vezes a remuneração recebida durante o mandato. A diferença a mais
vem do plano de previdência privada do Congresso fornece, para o qual deputados
e senadores contribuem com 11% do salário e a Câmara e o Senado, com outros
11%. Está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) a constitucionalidade
de leis estaduais e federais que concedem aposentadorias vitalícias para
ex-presidentes, ex-governadores e ex-prefeitos. Em 2015, o STF mandou suspender
o pagamento do benefício no Pará. Embora a determinação sirva especificamente
para o estado, o Supremo abriu caminho para acabar com o privilégio em todo o
país.
Quando as novas regras da Previdência devem entrar em vigor?
Tudo ainda está em discussão no governo. A perspectiva é
de que o projeto de reforma seja encaminhado ao Congresso até o fim do ano, mas
o debate só deverá começar, na melhor das hipóteses, a partir de fevereiro de
2017. Como há muita resistência em relação às mudanças que estão sendo
pensadas, é possível que as discussões se arrastem por um longo período. A meta
do Palácio do Planalto é que a reforma da Previdência seja promulgada ainda no
primeiro semestre do ano que vem.
As regras de hoje continuam intactas?
Sim. Há dois regimes para a aposentadoria. O primeiro soma
a idade o tempo de contribuição. Para os homens, a soma deve dar 95. Para as
mulheres, 85. A partir de 2018, essa soma aumentará gradualmente, até atingir
90 (mulheres) 100 (homens). O segundo regime é o do fator previdenciário, que
obriga os trabalhadores a ficarem um tempo a mais no mercado se não quiserem
ter um bom desconto na aposentadoria. A dica é ir a um posto da Previdência e
conferir por meio de qual modelo a aposentadoria é maior.