Valor Econômico
- 09/09/2016
São Paulo - Os funcionários públicos brasileiros ganham mais
que os trabalhadores da iniciativa privada em todos os níveis de escolaridade,
com a maior diferença ocorrendo entre os que têm o ensino médio. Nesse caso, a
distância em 2015 ficou em 44,4%, na comparação do salário dos servidores com
os empregados do setor privado.
Em Brasília, a diferença é bem maior, chegando a mais de
200% entre os que completaram o ensino médio, devido ao peso maior dos
funcionários do governo federal, que paga mais. Os dados fazem parte de
levantamento realizado pelo professor Nelson Marconi, da Escola de Economia de
São Paulo (EESP) da Fundação Getulio Vargas (FGV) com base nos números da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua.
Para Marconi, os dados mostram que "permanece uma
distorção nos salários dos servidores públicos que não se justifica". Ele
considera que um pequeno "prêmio" pode fazer sentido para que o setor
público contrate trabalhadores de maior qualidade, mas não é o caso de
diferenças muito expressivas, como as registradas especialmente no caso do
funcionalismo de Brasília. "Não há uma justificativa do ponto de vista
econômico", afirma Marconi, lembrando que os funcionários públicos ainda
contam com estabilidade no emprego. Num momento em que o país busca equilibrar
as contas públicas, um dos principais focos devem ser as despesas de pessoal,
avalia ele. É um ambiente nada propício para aumentos como os aprovados
recentemente para os servidores federais. Com a perspectiva de aprovação do
projeto que limita o crescimento dos gastos da União, as despesas com
funcionalismo são uma das principais candidatas a serem contidas nos próximos
anos.
No caso dos funcionários com ensino fundamental ou superior,
a diferença não é tão elevada. Entre os que completaram o fundamental, os
servidores públicos ganhavam em 2015 12,3% a mais que os trabalhadores da
iniciativa privada na média do Brasil. No caso de quem terminou o curso
superior, a diferença foi de quase 16% no ano passado.
A distância é bem maior no caso dos trabalhadores com ensino
médio completo. Segundo Marconi, isso ocorre porque "a oferta de mão de
obra no setor privado é ampla nesse segmento". Além disso, no setor
público há uma pressão por elevar os salários desse grupo, que é grande.
"E, em alguns casos, eles pertencem a carreiras que demandam formação
técnica qualificada", diz Marconi.
A diferença aumenta muito quando se analisa o rendimentos do
setor público em Brasília. Servidores com ensino fundamental completo ganhavam
quase 150% a mais que trabalhadores da iniciativa privada em 2015, distância
que pula para mais de 200% para quem tem ensino médio. No caso de quem terminou
o curso superior, a diferença em Brasília é um pouco menor, mas segue elevada,
atingindo 99,1%.
Se comparados com os salários da média do Brasil, o
rendimento dos servidores da capital federal são ainda maiores. Os funcionários
de Brasília com ensino superior completo, por exemplo, ganharam mais de 107% a
mais que os trabalhadores do setor privado com carteira assinada.
Marconi lembra que o governo federal paga mais para a ampla
maioria das funções. "Como a participação deles no conjunto dos
funcionários públicos é bem maior em Brasilia, a média salarial dos servidores
nessa região é também mais elevada", diz o economista.
Ele destaca que diversas categorias de funcionários
receberam aumentos expressivos no governo Lula. "As carreiras já vinham
recebendo recomposições salariais no governo anterior e passaram a receber
ainda mais durante o governo Lula", diz Marconi. "Diversas carreiras
mais organizadas oferecem hoje salário inicial entre R$ 14 mil e R$ 18 mil.
Parece um pouco desproporcional em relação à situação do setor privado. Um
jovem recém-formado, que recebe isso no setor privado, é uma raríssima
exceção."
Coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper,
Naercio Menezes Filho diz não ver problemas no fato de os funcionários públicos
ganharem mais. A questão, para ele, é que falta uma gestão melhor no setor
público, com preocupação com produtividade, cobrança e a definição de metas.
"Esse é o problema central no central público", afirma ele. A falta
de prestação de contas e de metas pode contribuir para os funcionários se
acomodarem, num ambiente em que em geral há menos progressão ao longo da
carreira do que no setor privado. "A meritocracia funciona menos no setor
público do que no setor privado", diz Menezes, reiterando que, para ele, o
problema não é a diferença salarial em relação ao setor privado.
Marconi ressalta ainda que o governo precisa dar mais
atenção à gestão de seus recursos humanos, um componente fundamental de
qualquer estratégia eficiente de políticas públicas, "e mesmo de
desenvolvimento". Segundo ele, é preciso fazer um planejamento da força de
trabalho que identifique o perfil, a quantidade e a necessidade de alocação de
funcionários, guiando a política de recursos humanos com base no resultado
desse trabalho. "Isso geraria maior eficiência e redução de gastos com
pessoal."
Ao fazer a comparação de salários, Marconi estabeleceu
alguns filtros. Ele incluiu apenas trabalhadores entre 18 e 74 anos, com
salários superiores a R$ 100 por mês. "Buscamos, com isso, eliminar
algumas situações muito precárias no setor privado que não são observados no
setor público", afirma ele. "Ao não considerar os mais idosos,
eliminamos pessoas que podem estar já aposentadas e ganhando menos em algum
emprego mais precário. Assim, aproximamos um pouco mais as condições nos dois
mercados de trabalho."
Na média do Brasil, Marconi considerou apenas os empregados
do setor privado com carteira assinada, e a comparação foi feita com o salário
de funcionários estatutários e militares. No caso de Brasília, essa
diferenciação não foi feita, porque as amostras ficariam muito pequenas. Ele
observa ainda que a Pnad contínua não possibilita a separação por esfera de
governo. Os funcionários municipais, que são maioria, recebem em geral uma
remuneração mais próxima da iniciativa privada. "Para os estaduais, a
diferença é um pouco maior e é realmente mais ampla para os federais."
(Sergio Lamucci)