Correio Braziliense
- 15/11/2017
Relatório do tribunal questiona metodologia de distribuição
de mão de obra e desempenho de servidores. Para a Corte, R$ 1,6 bilhão de
dívidas tributárias poderiam ter entrado nos cofres públicos em 2016. Fisco
garante que prestará informações pedidas
Pelo menos R$ 1,587 bilhão em dívida ativa tributária
poderia ter entrado nos cofres da União, em 2016, e reduzido o aperto fiscal do
país se a Receita Federal tivesse feito o dever de casa. Os dados constam de um
relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), que analisou a metodologia de
distribuição da força de trabalho e o desempenho dos servidores para
identificar as raízes de possíveis ineficiências. O documento aponta sérios
problemas no Fisco que resultam, inclusive, em prejuízo aos contribuintes. A
queda na arrecadação foi pior entre 2015 e 2016, consequência dos protestos de
servidores por reajustes salariais e reestruturação de carreiras. Esse, no
entanto, foi apenas um dos motivos. A fiscalização já vinha perdendo eficiência
desde 2012.
São inúmeras as razões apontadas pelo TCU, como quantitativo
inadequado de pessoal, falta de renovação dos quadros, constantes alterações
das leis tributárias, processos de compensação e arrecadação inadequados,
bancos de dados dos sistemas fazendário e previdenciário que não conversam
entre si e metas de desempenho ajustadas, que dão a "falsa impressão"
de que as fiscalizações crescem. Na realidade, elas são decrescentes ano a ano.
No entender de analistas, este último dado do TCU confirma a tese de que
"não há produtividade na Receita Federal" e desmente a necessidade
defendida por auditores e analistas de um bônus de eficiência para incentivar a
entrega de melhores resultados.
Divisão de tarefas
Isso porque o tribunal mostrou que a divisão de tarefas
considera apenas a mão de obra na ativa - sem elevar a empreitada unitária ou o
rendimento. Se o quadro diminui - por aposentadorias, demissões ou morte -, o
trabalho de cada um não se altera. O profissional não incrementa a sua
capacidade de produção, confirmaram 89,84% dos servidores pesquisados pelo TCU.
"A meta é feita com base nos servidores disponíveis. A auditoria constatou
que a metodologia para cumprir a meta é padronizada. O trabalho é sempre
igualmente dividido, mas sem aumentar as tarefas. Não há dados na pesquisa de
comprovem aumento de produtividade", destacou Fabiano Fernandes, diretor
de auditoria em pessoal do TCU.
O TCU destaca, ainda, que "o número de fiscalizações
por auditor pode até ser crescente, em razão dos incrementos tecnológicos, mas
o total de fiscalizações de um período pode estar reduzindo em proporções bem
maiores com a diminuição da força de trabalho". De acordo com Fernandes, é
importante ressaltar, também, o peso da burocracia estatal e as inúmeras falhas
da administração, que não treina seus servidores para as mudanças nas leis e
não permite a ingerência do Ministério da Fazenda na distribuição de parte do
efetivo.
Distribuição
Os administrativos, por exemplo, são distribuídos pela
Esplanada e cada órgão recebe a quantidade que o Executivo decide. "Por
conta disso e da carência de pessoal, auditores e analistas acabam
desempenhando funções administrativas que não são deles e atrasam a prestação
de serviço à sociedade", destacou. Detalhe que sai caro para os
contribuintes, pois, alerta o TCU, "a utilização dos cargos de maior
remuneração para atividades de menor complexidade gera alto custo para o benefício
obtido, tendo em vista a alta diferença de remuneração". Desde1º de
janeiro 2017, os auditores recebem vencimento básico de R$ 19.211,01, os
analistas, de R$ 10.674,21. Já a remuneração dos cargos administrativos de
nível superior do Plano Especial de Cagos do Ministério da Fazenda (Pecfaz) é
de R$ 2.220,09.
Floriano Sá Neto, presidente da Associação Nacional dos
Auditores-Fiscais da Receita Federal (Anfip), calculou que a arrecadação
despencou 12,4% em termos reais (descontada a inflação), nos últimos dois anos,
entre 2015 e 2016. "Por conta da falta de efetivo, queda na atividade,
renúncias e isenções fiscais, entre outros problemas. A União está brincando de
administrar. É um disparate. O corte linear de recursos está impedindo a
Receita de melhorar os mecanismos para buscar sonegadores e fraudadores, o que
poderia aumentar a arrecadação", reclamou Sá Neto.
Ele revelou que, em relação aos administrativos,
indispensáveis para fazer o Fisco andar, o problema é mais grave ainda. "O
Ministério do Planejamento sequestra os melhores e mais qualificados,
oferecendo cargos em comissão. Esse mal-estar entre Fazenda e Planejamento não
sé ó por conta do bônus de eficiência. É por causa de tudo isso. Conheço o
relatório e acho até que o TCU pegou leve", ressaltou o presidente da
Anfip. Para ele, o bônus é um "indicativo estreito" da eficiência dos
servidores da Receita, até porque é coletivo (institucional). "Não é
individual. Paga igual para todo mundo. Acaba sendo uma gratificação." A discussão
mais importante, afirmou, não é o incremento de salário. É a recuperação do
órgão. "Afinal, nesse momento, do fundo do poço, não é fácil apresentar
aumento na arrecadação", reforçou.
Plano de ação
O TCU apresentou uma série de recomendações para reduzir a
ineficiência e determinou prazo de 90 dias para o Fisco e o Ministério da
Fazenda apresentarem um plano de ação. De acordo com a Receita Federal, as
informações pedidas pelo tribunal serão apresentadas, como de praxe, no prazo
estipulado. O Fisco concordou com a constatação de que vem ocorrendo uma
diminuição da força de trabalho. O Ministério do Planejamento informou, por
meio de nota, que "está desenvolvendo, com a Universidade de Brasília, uma
metodologia de avaliação para adequação do pessoal no governo federal".
Por Vera Batista