Metrópoles - 20/03/2018
Tema tem sido alvo de polêmica após casos de jovens
indicados para cargos de chefia sem comprovação de capacidade técnica
Nas últimas semanas, casos de jovens sem experiência
comprovada ocupando cargos de gerência e chefia em órgãos da administração
pública local e federal têm gerado polêmica. Na última sexta-feira (16/3), o
Metrópoles divulgou dois deles: um na Secretaria de Políticas para Crianças,
Adolescentes e Juventude do Distrito Federal (Secriança-DF) e outro no
Departamento Nacional de Trânsito (Denatran).
Nomeados por indicação, esses funcionários nem sempre
comprovam capacidade técnica e, às vezes, até chefiam servidores com décadas de
casa. A situação não é incomum: no Executivo federal e no Governo do Distrito
Federal, passa de 40% o percentual de comissionados sem vínculo com a
administração pública.
No governo federal, os cargos em comissão são divididos em
duas principais categorias: as Funções Comissionadas do Poder Executivo (FCPE)
e as posições de Direção e Assessoramento Superior (DAS). A primeira,
obrigatoriamente, precisa ser ocupada por servidores federais. Na segunda, os
cargos podem ser preenchidos tanto por funcionários públicos quanto por pessoas
sem vínculo com o governo. É aí que se abre a brecha para as polêmicas
nomeações.
Conforme dados do Ministério do Planejamento, das 12.370
vagas para cargos comissionados DAS existentes no Executivo federal, 11.329
estão ocupadas. Desse total, 40,9% (4.635) são preenchidas por funcionários que
não foram aprovados em concurso público.
Faz parte do grupo a recém-formada engenheira elétrica
Marina Nunes Pinto de Araújo, 25 anos, nomeada à coordenadora-geral de
Infraestrutura no Trânsito do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). Com
salário de quase R$ 8 mil, a jovem, que comprovou experiência apenas com
estágios no Metrô-DF e na Oi Telecomunicações, é responsável por atribuições
importantes no órgão.
Até a última semana, também fazia parte do grupo o jovem
Mikael Tavares de Medeiros, 19 anos, que ocupava o cargo de gestor financeiro
no Ministério do Trabalho. Como parte da função, ele era responsável por
administrar contratos e pagamentos que chegavam à ordem de R$ 473 milhões. O
jovem conseguiu a posição após ser indicado pelo PTB, sigla do pai, o delegado
de Planaltina de Goiás (GO) Cristiomário Medeiros. Com a repercussão do caso,
divulgado inicialmente pelo jornal O Globo, o rapaz foi exonerado.
Os órgãos com o maior número de comissionados do tipo DAS
são o Ministério da Fazenda, com 939 cargos; o Instituto Nacional do Seguro
Social (INSS), com 637; e o Ministério da Justiça e Segurança Pública, com 581.
Os salários variam de R$ 2,5 mil a R$ 16,2 mil. Em janeiro, os gastos com os
postos em comissão no governo federal chegaram a R$ 141 milhões, entre pessoas
sem vínculo com a administração pública e servidores. O número também inclui os
funcionários de agências reguladoras, universidades e institutos federais e
cargos de natureza especial.
De acordo com o Ministério do Planejamento, “por se tratar
de posições de ‘livre nomeação e exoneração’, compete a cada órgão, com base no
Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, avaliar os requisitos
necessários para ocupação de cargos comissionados por pessoas sem vínculo com a
administração pública federal (não concursados)”.
A pasta admite ainda que “não realiza avaliação de perfil,
qualificações e experiências relativas aos demais órgãos para nomeação de
Grupo-Direção e Assessoramento Superiores (DAS). O que o Ministério do
Planejamento faz é monitorar o limite percentual de DAS ocupados por
profissionais não concursados. Esses percentuais estão estabelecidos no Decreto
nº 9021/2017”.
Governo do DF
No GDF, a situação não é muito diferente. Segundo o Portal
da Transparência do Executivo local, existem atualmente 17.246 cargos comissionados,
dos quais 15.788 estão preenchidos. A Secretaria de Planejamento, Orçamento e
Gestão do DF (Seplag) informa que 45,92% dessas posições estão ocupadas por
pessoas sem vínculo com a administração pública.
Erik Harnefer era uma delas. Aos 18 anos, o rapaz comandava,
até o início deste mês, a Diretoria de Capacitação do Sistema Socioeducativo,
da Coordenação de Políticas e Saúde Mental da Secretaria de Políticas para
Crianças, Adolescentes e Juventude (Secriança-DF). No dia 6 de março, o rapaz, que
é estudante de psicologia, foi exonerado da função. O caso é apurado pela
Corregedoria da pasta.
Segundo o GDF, apenas 5,53% da força de trabalho é composta
por pessoas sem vínculo com o governo, e esse grupo representa apenas 2,2% da
folha de pagamento do Executivo. A Seplag afirma ainda que “tem atuado na
profissionalização do quadro de servidores da administração pública local”.
Conforme estabelece o Decreto nº 38.094, de 2017, os cargos estratégicos das
administrações regionais devem ser ocupados por funcionários de carreira e/ou
que tenham reconhecida capacidade técnica na área de atuação.
Especialistas
Para o economista e secretário-geral da ONG Contas Abertas,
Gil Castelo Branco, a nomeação de comissionados dessa forma compromete a
eficiência pública. “As indicações políticas acabam fazendo com que pessoas,
muitas vezes sem qualquer experiência ou qualificação, caiam de paraquedas na
máquina pública. O único motivo pelo qual foram selecionadas foi pela amizade
ou relação política que possuem com alguém que tem a capacidade de indicar”,
argumenta.
Castelo Branco afirma que as justificativas em defesa das
nomeações de pessoas sem vínculo são de que elas “arejariam” e trariam novas
ideias para o ambiente. “Mas, nesse caso do Ministério do Trabalho, por
exemplo, o rapaz não tinha as qualificações mínimas necessárias para o cargo”,
defende.
Ainda de acordo com o profissional, a nomeação de
comissionados pode prejudicar a gestão do conhecimento no órgão, já que essas
pessoas “aprendem e vão embora”, além de abrir brecha para a desmotivação dos
servidores. “O comissionado chega e ocupa o cargo que deveria ir para alguém
que está lá há anos e, às vezes, é muito mais experiente e capacitado”,
pontuou.
O entendimento é o mesmo do especialista em gestão pública e
professor da Universidade Católica de Brasília (UCB) Marcelo Fiche. Para ele,
nomeações pouco técnicas “reduzem a eficiência da máquina pública”. Fiche
defende ainda o aprimoramento das normas para a escolha de comissionados. Hoje,
50% dos cargos DAS com salários mais baixos precisam ser ocupados por
servidores. Para os salários mais altos, a alíquota sobe para 75%. “Para mim,
todos deveriam ser 100%”, diz o professor.
Fiche aponta ainda para uma maior responsabilidade do
servidor. “Ele sabe que, se cometer desvios, pode jogar abaixo toda a carreira.
Tem chance de sofrer um processo administrativo, perder o cargo público e todo
aquele tempo que ele passou lá. Esse tipo de responsabilidade não recai sobre
as pessoas sem vínculo”, finaliza.
Por Pedro Alves