Correio Braziliense - 06/05/2018
Saldo de empréstimos tomados por funcionários públicos
supera R$ 178 bilhões
Apesar do verdadeiro pesadelo que isso pode significar para
suas vidas, os brasileiros continuam acumulando dívidas. Dados do Banco Central
mostram que, somente no crédito consignado — uma das formas de empréstimo mais
baratas entre as disponíveis no mercado —, servidores públicos, por exemplo,
têm um débito total superior a R$ 178 bilhões, saldo que cresceu 4,9% no
período de 12 meses terminados em março. O funcionalismo é a categoria com o
maior endividamento nessa modalidade. Com uma renda média de R$ 3.335, cada
servidor deve, em média, R$ 15.534, o equivalente a 4,6 vezes o ganho mensal.
O terapeuta financeiro Jônatas Bueno explica que o
trabalhador do setor público tem mais condições de se endividar, já que conta
com estabilidade no emprego e um alto salário inicial. “As pessoas que entram
no serviço público, geralmente, são mais novas, estão no início de carreira e
acabam criando hábitos de vida muito caros”, avalia.
“Eu acho que ter estabilidade faz a gente se sentir mais
disponível para se endividar”, concorda Lennon Duque de Barros, 35 anos, funcionário
da Junta Comercial do DF. Lennon diz que
já fez vários empréstimos consignados e que não se arrepende. “Nesse tipo de
crédito, o valor das parcelas não pode passar de um terço do salário do
servidor. Isso dá uma certa segurança”, argumenta.
Quando as contas a pagar ultrapassam o dinheiro disponível,
no entanto, é um sinal de alerta, observa Jônatas Bueno. Ao contrário de Lennon Barros, a experiência
do também servidor Carlos Saviolli, 56, foi desastrosa, a ponto de ter passado
a tomar remédios para depressão e pressão alta.
Saviolli conta que, em março de 2015, tomou um empréstimo
consignado de R$ 60 mil na Caixa Econômica Federal, pelo qual pagava uma
prestação mensal de R$ 1.350. Atraído por uma oferta de juros mais baratos,
porém, ele decidiu fazer a portabilidade da dívida para outra instituição. A
troca, porém, piorou sua condição financeira, pois os juros, na verdade, eram
maiores do que o combinado verbalmente.
O servidor conta que fez um acordo para refinanciar o
débito, que incluía um novo empréstimo de R$ 20 mil, valor que acabou não sendo
integramente liberado. Após gastar dinheiro com advogados e pagar 22 parcelas
de R$ 2.600, Saviolli fez uma reclamação ao Sistema de Gestão de Pessoas do
Governo Federal (Sigepe), que acabou bloqueando os descontos das prestações do
contracheque do servidor. Hoje, a dívida voltou para a Caixa e as parcelas são
de R$ 1.200.
O transtorno financeiro, porém, obrigou Saviolli a abrir mão
do carro e do plano de saúde. Ele teve ainda que penhorar joias e quase teve de
vender a casa para pagar os compromissos.
“Isso causa terror na gente. Há pessoas que até fazem empréstimos com
agiota, mas aí a dívida cresce como bola de neve, e elas perdem a noção das
coisas. Eu não andava de ônibus havia 20 anos. Agora, pego todo dia, porque
tive que abrir mão da vida que tinha”, lamenta.
Pressão social e facilidade
O educador financeiro Jônatas Bueno conta que já chegou a
receber clientes que deviam 10 vezes mais que o valor do próprio salário. E
confirma que, pela sua experiência de atendimento, o servidor público é o que
tem mais tendência de se endividar. "Ele têm a pressão social de que
recebe mais, de que tem padrão de vida
mais elevado", justifica. "O crédito consignado é muito atrativo.
Mas, como muitos servidores não têm orientação sobre o uso desse crédito,
acabam utilizando esse instrumento de forma indiscriminada."
Já para o trabalhador do setor privado, a instabilidade da
economia costuma ser um fator que dificulta o endividamento, pondera o
especialista. Como pode ser demitido a qualquer momento, ao assumir uma dívida,
o empregado de empresas particulares não tem a certeza de que conseguirá pagar
o compromisso, o que pode funcionar como um freio à contratação de empréstimos.
Na opinião de Jônatas Bueno, porém, a falta de educação
financeira é a principal deficiência do brasileiro quando se fala em capacidade
de lidar com dinheiro. "No panorama geral, não temos o hábito de poupar
dinheiro. Costumamos levar a vida com base no endividamento, parcelando viagens
em 12 vezes, por exemplo. Isso é uma cultura que tem muito a ver com a condição
financeira", explica.
Para Bueno, o consumo, seja ele qual for, precisa ser
avaliado sob a ótica da condição financeira de que se dispõe para realizar os
gastos. Em vez de se endividar para comprar um determinado bem, por exemplo, é
mais vantajoso acumular previamente o valor necessário e adquirir o produto à
vista, ou em poucas parcelas que caibam no orçamento. Acima de tudo, é preciso
ter bom senso, observa. Pagar tudo de uma vez e ficar sem dinheiro para
imprevistos também não é uma boa opção, pondera.