Folha de Londrina - 20/06/2018
Relator na Câmara do PL que regulamenta o teto de servidores
públicos, paranaense confia na aprovação do texto para evitar que o País quebre
A concessão sem critérios de benefícios como
auxílios-moradia e funeral, que acabam garantindo a servidores públicos
"supersalários" não condizentes com a realidade econômica do País,
está com os dias contados. Ao menos essa é a expectativa do deputado federal e
presidente do PPS no Paraná, Rubens Bueno, o relator na Câmara do projeto de
lei 6.726/16, que visa regular os chamados penduricalhos.
Bueno propôs um substitutivo, que entre outras medidas
estratifica as verbas que poderão ser pagas além do teto salarial do serviço
público (o chamado extrateto) e criminaliza, com pena de detenção de dois a
seis anos, a inclusão de outras verbas extrateto sem amparo legal. A Comissão
Especial do Teto Remuneratório pediu vistas para analisar o relatório por duas
sessões. O parecer será votado nesta semana, e, se aprovado, o PL vai à votação
em plenário.
Em entrevista à FOLHA, Rubens Bueno, paranaense de Sertanópolis
que construiu sua carreira política no Noroeste do Estado, admite que não é
possível acabar com os benefícios, previstos na Constituição, mas que é dever
do Congresso estabelecer um limite de gastos para evitar que o país quebre. Só
o auxílio-moradia, segundo ele, gera um custo anual de R$ 1 bilhão à União.
Bueno conta ter ficado impressionado quando começou a estudar a infinidade de
penduricalhos institucionalizada. "É uma coisa que não tem fim,
impressionante. É como tirar caranguejo do saco: você pega um e vem junto um,
depois outro e outro". Apesar do tamanho do problema e a despeito das
pressões exercidas por categorias que não querem abrir mão dos benefícios, o
deputado paranaense diz confiar que o projeto seja aprovado na Câmara.
Por que tanto penduricalho?
É que o penduricalho na verdade foi se criando ao longo do
tempo sem a observância daquilo que manda a Constituição de 1988. De lá pra cá,
como não havia uma lei que regulava a matéria, foram criando e cada um pagava o
seu valor dizendo que tinha orçamento próprio... Sempre arrumava-se uma
desculpa para que isto viesse a ser pago de uma forma ou de outra. Em agosto de
2014, o ministro do STF (Superior Tribunal Federal) Luiz Fux, numa liminar,
mandou pagar o auxílio-moradia para todos os juízes do Brasil. E claro que aí
recebem o mesmo tratamento juízes estaduais, que não têm nada a ver com a
União, defensores, o promotor público etc, ou seja, tem todo um efeito que se
desdobra a partir daí, que nós chamamos efeito cascata.
Nesse efeito cascata, o
auxílio-moradia, de agosto de 2014 a fevereiro deste ano, custou mais de R$ 4
bilhões. Depois, os juízes criaram, por meio da Lomam, que é a Lei Orgânica da
Magistratura Nacional, as férias deles em 60 dias. Como o Ministério Público
tem o mesmo tratamento, já deu o efeito. O auxílio-moradia custa mais de R$ 1
bilhão por ano, e as férias de 60 dias custam mais de R$ 1 bilhão por ano. Se
somar os dois, dá 2 bilhões e 300 milhões de reais por ano. Aí têm outros
penduricalhos...
Como chegar a um projeto razoável?
São dois projetos: um já aprovado no Senado e outro do
Executivo, que é pelo qual estamos nos baseando. Então tem que estudar muito. E
quando o Senado aprovou, eu pedi urgência no plenário da Câmara para discutir a
matéria, e ali mesmo o presidente da Casa (Rodrigo Maia) disse que eu seria
então indicado para ser o presidente ou relator. E comecei a estudar a matéria
em agosto do ano passado. Você vai estudando, estudando, estudando, e quando vê
não chega ao fim. Impressionante. Toda terça-feira, desde agosto, nos reunimos
por 3 a 4 horas em Brasília para estudar com a assessoria e consultoria da
Câmara, um pessoal extremamente qualificado, e chegamos a uma conclusão: como
existem duas listas, uma que fala o que é indenizatório, e outra, o que é
regulatório, fizemos uma só. Regulamentamos o artigo 37, parágrafo 11 da
Constituição, dizendo o seguinte: esta lista de 24 itens, que pode passar do
teto porque a Constituição e CLT permitem, vai passar, mas vai ter travas.
Então, por exemplo, auxílio-funeral: hoje, o servidor que ganhava R$ 3 mil, a
família recebe R$ 3 mil, se ganhava R$ 30 mil, a família recebe R$ 30 mil. Nós
colocamos uma trava, que é exatamente o limite do INSS. Com isso, estabelecemos
que o limite é R$ 5,5 mil.
Tudo tem trava. Esta lei permite passar do teto, mas tem
limites que impusemos. E o que não está na lista não pode, tem que ficar no
teto. Aquela coisa infinita, que nunca acaba, não tem mais. Então, estamos
regulamentando a Constituição, e com isso ficou um relatório até muito
interessante. Qual é o resultado disto? É você dar um basta. São penduricalhos
que ficam e a cada dia custando mais. E quanto ao argumento dos que defendem os
auxílios - "ah, mas isso é porque não temos aumento salarial, não houve
correção" -, uma coisa não tem nada a ver com a outra. Você tem então que
lutar para melhorar o seu salário.
O PL vai moralizar a questão dos benefícios e estender a
regulação a outras funções públicas?
Sim. Nós não podemos acabar ou fixar com o auxílio-moradia,
temos que por ordem. O artigo 37 manda fazer. Quem pode receber
auxílio-moradia? Aquele que por uma demanda do órgão, instituição ou poder vai
desenvolver um trabalho fora de seu domicílio legal. Isso é pra todos. Tem
vários juízes que são chamados ao Supremo para assessorar ministros, eles vão
receber auxílio-moradia, e etc. Agora, quando não for isso, quando estiver no
domicílio legal, acaba com todos, que é o grande problema.
Chamaram a atenção no noticiário os casos dos dois juízes
responsáveis pela Lava Jato, Sérgio Moro e Marcelo Bretas, que recebem o
auxilio-moradia, mesmo morando em suas próprias cidades. Eles também perderiam
o benefício?
Sim, com certeza. Todos. Só em caso daquele que no domicílio
legal vá a uma demanda qualquer. Se ele for transferido, tem 12 meses de
auxílio-moradia. Ou se for transferido para algum lugar onde tenha o domicílio
legal nos últimos 12 meses, não pode receber. Está tudo bem amarradinho para
não deixar brechas.
Vocês têm sofrido pressão contra o projeto, seja no
Congresso ou nos demais poderes?
Sim, não é nem no Congresso, é na própria Câmara. Houve
pressão para não fazer uma leitura do relatório. Muita gente pressionando para
não dar quórum, articular pra deixar para a outra semana... Para fazer a
leitura tem que ter maioria na comissão e eu precisava de 18 presentes. Numa
terça-feira, não é simples. Mas aí os deputados compareceram, foram 21 e vários
suplentes. No total, tinham 31 dos 36, que é um bom número. Mas houve pressão
sim.
Qual a possibilidade de vocês fazerem mudanças no relatório
que será enviado à Comissão?
Nenhuma. O que a comissão pediu é, alem das duas sessões,
ter mais tempo, mas esse mais tempo é mais uma semana. De fato, é complexo para
você parar, estudar e ver o desdobramento de tudo isso. Outra disposição no
projeto: ordenador e quem paga poderão sofrer processo por improbidade
administrativa e processo criminal, com pena de 2 a 8 anos. Não é como era
antes, que se pagava (o benefício) e deixava por isso mesmo. Agora vai ser
responsabilizado penalmente. É uma coisa boa de amarrar e trazer a
responsabilidade para todos.
Há expectativa de que o projeto seja aprovado?
Sim, eu tenho toda a expectativa e esperança de que nós
vamos conseguir aprovar esse relatório na Comissão Especial e aprovar no
plenário. Aprovado no plenário, vai para o Senado, porque já há um projeto
tramitando por lá e outro do Executivo. No relatório, estou me apoiando no
projeto do Executivo, que vai para o Senado e volta para a Câmara. Mas há uma
disposição de todos em votar isso.
Qual é o efeito prático que o senhor espera que esse
projeto, uma vez aprovado, possa vir a ter?
Uma economia de R$ 2,3 bilhões por ano. E você evita todo
esse desdobramento para estados, tribunais e tantos outros que têm os seus
orçamentos. Se você for olhar o orçamento dos estados e municípios do Brasil
vai ver que estamos à beira do caos. Li um artigo do ministro Vital do Rego, do
Tribunal de Contas da União, em que ele dizia que se continuar assim poderá
chegar daqui a pouco e não ter condições de pagar salários dos servidores da
União. Veja a que ponto as coisas estão caminhando. Então, se nós não buscarmos
o caminho de colocar ordem nas finanças públicas e buscar o equilíbrio fiscal,
o dia seguinte vai ser muito difícil para o País.
Por Diego Prazeres