segunda-feira, 20 de maio de 2019

Quais os limites dos auditores fiscais? É prudente limitar o Estado!


Consultor Jurídico     -     20/05/2019




Há um assunto que está dando pano para manga. O relator da Comissão Mista de Deputados e Senadores que analisou a MP nº 870/2019 (CF, artigo 62, parágrafo 9º) inseriu no texto o seguinte artigo sobre a competência da Receita Federal do Brasil em matéria criminal:

Artigo 64-A. A Lei nº 10.593, de 6 de dezembro de 2002 passa a vigorar com a seguinte alteração:

“Artigo 6º. [...] parágrafo 4º. Para os fins do artigo 106, inciso I, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), entende-se que: I – a competência do Auditor-Fiscal da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil limita-se, em matéria criminal, à investigação dos crimes contra a ordem tributária ou relacionados ao controle aduaneiro; II – os indícios de crimes diversos dos referidos no inciso anterior, com os quais o Auditor-Fiscal da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil se depare no exercício de suas funções, não podem ser compartilhados, sem ordem judicial, com órgãos ou autoridades a quem é vedado o acesso direto às informações bancárias e fiscais do sujeito passivo.”

Esse parecer foi aprovado pela Comissão Mista na sessão de 09.05.2019, pendendo a medida provisória do exame em separado das duas Casas do Congresso Nacional (CF, artigo 62, parágrafo 9º). A questão que se coloca é se a inclusão é (in)constitucional. Ministério Público e Auditores dizem que a inserção é inconstitucional. Vou procurar demonstrar que a emenda é constitucional. Ou melhor: ela não é inconstitucional.

Antes de qualquer coisa, é necessário fugir de um certo panconstitucionalismo – parente do panprincipiologismo – que acaba colonizando sobremodo o “mundo da vida” da ordinariedade jurídica. Daí que, como o faz muito bem Otavio Luiz Rodrigues Jr. no âmbito do Direito Civil, penso que devemos resgatar o estatuto epistemológico do Direito Tributário e das leis que tratam da proteção do cidadão, ultrapassando uma espécie de Estado Social autoritário tardio, em que os direitos individuais sucumbem face à coletividade.

Explico essa última afirmação, lembrando aqui de uma frase de Robert Alexy, no livro El concepto y la validez del Derecho (Barcelona: Gedisa, 2004, pp. 204-209), em que o jusfilósofo alemão alerta categoricamente para o fato de que, entre um direito individual e um interesse coletivo, há sempre a prevalência prima facie do direito individual fundamental. Pode até haver, ao final, prevalência de um interesse coletivo, mas jamais esta prevalência será prima facie. E complementa: Somente uma teoria política coletivista seria capaz de justificar a prevalência do bem coletivo em relação ao direito individual. E sobre isto o jurista alemão é peremptório.

Dito isto, ficam fragilizadas, prima facie, as alegações de que o emendamento provoca prejuízos à coletividade ou ao combate à impunidade. Alegações de caráter abstrato e metafísico que necessitariam de uma adequada prognose.

Explico, de novo. Qualquer (contra-)proposta fundada em especulações e/ou conceitos abstratos – especialmente aquelas e aqueles com os quais somos todos capazes de concordar – exigem uma adequada prognose, sob pena de justificarem qualquer coisa. Somos todos contra a corrupção; se eu digo que x favorece a corrupção, ora, então todos têm de ser contra x. Certo? Quase. Eu tenho a responsabilidade de mostrar que x efetivamente favorece a corrupção. Se assim não o for – ou seja, se for possível atrelar qualquer coisa a uma premissa mais fundamental sem a devida justificativa –, não seremos apenas reféns, mas reféns que, vejam só, têm de agradecer por termos aqueles que sabem melhor do que nós o que realmente queremos. Essa é, e sempre foi, a receita para todo tipo de autoritarismo (do qual a história fornece mais exemplos do...



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