O Dia - 20/05/2019
PEC abre possibilidade de a previdência complementar ser
gerida por entidades sem compromisso com a administração pública;medida
apresenta riscos sobre pagamentos de aposentadorias futuras
Rio - A reforma previdenciária do governo Bolsonaro traz uma
série de mudanças nas regras voltadas ao funcionalismo do país. A proposta não
só busca equiparar as normas do setor público às da iniciativa privada, mas
também obriga que todos os servidores, independente do ente federativo, tenham
previdência complementar — hoje, facultativa e só alcançando quem tem salário
acima do teto do RGPS (R$ 5.839,45). O texto abre ainda a possibilidade de a
mesma ser administrada por uma instituição financeira privada — ainda que com
licitação —, na contramão de como funciona atualmente.
Na prática, essa modificação tira a segurança de servidores
públicos, principalmente daqueles que ainda estão longe da aposentadoria.
No Estado do Rio de Janeiro, há o RJPrev, que alcança o
grupo de funcionários públicos que ingressaram no cargo a partir de 2013. E, no
âmbito do funcionalismo da União, os servidores que entraram no serviço público
também naquele mesmo ano podem aderir à Funpresp. Todos esses fundos são
geridos por instituições públicas e seguindo normativas.
Mas se a Proposta de Emenda à Constituição 6 for aprovada, a
promessa é de mudanças radicais. E essas brechas sobre a previdência
complementar contidas no projeto chamam atenção de juristas e das categorias do
serviço público da União, estados e municípios.
Questionado pela Coluna sobre as possíveis consequências de
um banco privado 'tomar conta' da previdência complementar, o especialista em
Direito Previdenciário e juiz do Trabalho, Igor Rodrigues, pontua algumas.
Entre elas, a falta de participação do funcionalismo na gestão dos recursos.
Resultados arriscados
"Há riscos sérios com relação à gestão desses ativos.
Atualmente, as entidades de gestão da previdência complementar do servidor são
também públicas, e respeitam os princípios da administração pública, de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Têm
participação efetiva dos servidores e são vocacionadas a uma administração com
baixo risco e visando o longo prazo das aplicações, sem qualquer preocupação de
lucro próprio", explica.
O magistrado ressalta que as entidades privadas não têm
obrigação de respeito aos princípios da administração pública. "Por conta
disso, há uma tendência de adotarem investimentos com foco na sua própria
lucratividade e em resultados de curto prazo, mais arriscados", alerta.
Segundo Rodrigues, ao tratar de Previdência, a gestão dos
recursos deveria buscar o menor risco possível e ser pensada no longo prazo. E
ele frisa que isso "diverge do perfil normalmente adotado por instituições
privadas".
Cabe destacar que, no caso de o resultado da licitação
entregar a gestão previdenciária a instituições privadas, o servidor se tornaria
um "cliente compulsório". "Ele acabaria condicionado à adesão de
seus recursos a essa entidade, sem a possibilidade de escolha".
Sem aporte do Tesouro, servidor não terá garantias
O pagamento de futuras aposentadorias é o principal alerta
que o funcionalismo faz sobre essa mudança na previdência complementar.
Presidente do Fórum Nacional das Carreiras Típicas de Estado (Fonacate),
Rudinei Marques classifica o repasse da gestão para entidades privadas como uma
"privatização". E afirma que, "caso os investimentos desses
fundos sejam frustrados (pelas instituições), não haverá qualquer aporte do
Tesouro para assegurar uma renda mínima".
"Essa privatização deixa os servidores públicos
federais, estaduais e municipais sem garantias estataisde uma aposentadoria
digna. A PEC 06 elimina o caráter público das fundações de previdência
complementar dos servidores", declara.
Aposentado pode ter tributação maior
O especialista Igor Rodrigues acrescenta que, em relação ao
servidor já aposentado ou pensionista, não há risco de perda do benefício.
"Para esses, o maior risco é o aumento da tributação incidente sobre
aposentadoria ou pensão, o que poderia fazer com que o valor final líquido do
benefício acabe reduzido".
O magistrado lembra ainda que, para quem está na ativa,
"há o risco de má gestão dos recursos destinados à previdência
complementar, o que pode importar em redução dos benefícios futuros".
Por Paloma Savedra