BSPF - 03/07/2019
O projeto de lei que regulamenta a demissão de servidores
públicos concursados e estáveis por insuficiência de desempenho no trabalho não
pode ser uma arma apontada para o funcionalismo, mas deve fazer parte de um
projeto de gestão para otimizar a performance do setor público. A opinião é de
participantes de audiência pública realizada nesta terça-feira (2) pela
Comissão de Assuntos Sociais (CAS).
Para a professora Renata Vilhena, da escola de negócios
Fundação Dom Cabral, tratar o projeto (PLS 116/2017) meramente como um
instrumento para demitir servidores é uma visão inadequada. O principal uso da
medida deve ser como parte de um planejamento estratégico de metas e
resultados.
— O objetivo não é desligar servidores. Queremos identificar
os gaps [lacunas] e as potencialidades para alocar o servidor no melhor local e
fazer com que ele seja mais produtivo. No caso de ele não responder a isso, aí
sim o desligamento, porque as próprias equipes de trabalho não acham justo ter
alguém que não está contribuindo — disse.
Renata Vilhena é especialista em gestão pública e foi
secretária de Planejamento no governo de Minas Gerais. Ela observou que o
modelo padronizado de avaliação de servidores que já existe no serviço público
brasileiro (originário da reforma do Estado da década de 1990) não leva em
conta especificidades de diferentes órgãos e carreiras e mistura critérios de
desempenho com critérios de comportamento, dificultando uma avaliação objetiva.
A economista Ana Carla Abrão destacou que a falta de um
sistema preciso de avaliação do desempenho funcional distorce a lógica do
serviço público. Para ela, a ausência de ferramentas que permitam valorizar o
servidor produtivo e reabilitar o improdutivo perpetua um sistema que garante a
todos o mesmo tratamento, independentemente do trabalho entregue.
— O que estamos fazendo com serviço público é ruim para o
cidadão, que não recebe serviço, e para o servidor, que não está devidamente
motivado e capacitado. Estamos com um modelo que não gera os melhores
incentivos e, por isso mesmo, não gera os melhores resultados — afirmou.
Ana Abrão defendeu a manutenção da estabilidade funcional,
mas salientou que esse instituto não deve ser usado para proteger o mau
servidor. Para ela, existem modelos já consagrados de avaliação no setor
público que permitem identificar os méritos e necessidades de cada um com
isenção, impessoalidade e justiça. A economista citou Reino Unido, Chile e
Cingapura como países que já adotam essas práticas com sucesso.
Governo
O Secretário de Gestão e Desempenho de Pessoal do Ministério
da Economia, Wagner Lenhart, garantiu que essa iniciativa integrará um conjunto
de medidas que alinhem os incentivos profissionais do serviço público ao seu
objetivo principal, que é atender as necessidades da sociedade. Identificar
pontos fortes e fracos e tratá-los de acordo, segundo ele, garantirá bem-estar
e motivação aos servidores.
— A razão de existir do Estado é a prestação de serviços
para a população. Só vamos conseguir se tivermos um sistema de gestão de
desempenho eficiente, justo, sólido, que mostre para as pessoas onde elas
precisam se aprimorar, que reconheça os servidores de excelência e
responsabilize aqueles que não têm o mesmo comprometimento.
A diretora do Departamento de Carreiras e Desenvolvimento de
Pessoas da pasta, Flávia Goulart, enxerga falhas no sistema de avaliação atual,
que ela classificou de fictício. Segundo explicou, há uma pluralidade de regras
e ciclos avaliativos que fragmentam os dados disponíveis e impedem a
consolidação de informações pelos órgãos de gestão. Ocupantes de cargos de
confiança são imunes ao processo e os resultados obtidos não são realistas,
avaliou.
— A maioria dos servidores está constantemente no topo. Não
há nenhuma organização de sucesso no mundo em que todos os funcionários sejam
nota 10 100% do tempo. Uma avaliação real é questão de justiça.
Críticas
Representantes de servidores disseram na audiência que o PLS
116 é um risco para a integridade do serviço público, além de trazer vícios
formais insanáveis. Para o presidente da Confederação dos Servidores Públicos
do Brasil (CSPB), João Gomes dos Santos, o projeto "terá consequências
inimagináveis” se for aprovado.
— O propósito, na nossa avaliação, é quebrar a estabilidade.
Ela não é um privilégio, é um instrumento que permite aos servidores serem
impermeáveis às pressões externas, para que a administração pública não sofra
as consequências de um funcionário coagido ou corrompido.
O presidente do Fórum Nacional Permanente de Carreiras
Típicas do Estado (Fonacate), Rudinei Marques, apontou a ausência de
referências a estudos acadêmicos na justificação do projeto e questionou a
inexistência da previsão de outros métodos de avaliação, além dos previstos,
como a autoavaliação e avaliação da comissão avaliadora pelo próprio servidor
avaliado.
O representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT)
Gilberto Cordeiro afirmou que é mais relevante aplicar as avaliações de
desempenho que já existem dentro do funcionalismo, em vez de “inventar a roda”,
e lembrou que o Estatuto dos Servidores Públicos (Lei 8.112, de 1990) já
regulamenta a possibilidade de demissão de servidores — a lei não fala, no
entanto, em demissão por insuficiência de desempenho.
Já o representante da Federação Nacional dos Policiais
Federais (Fenapef) Roberto Santos disse que o projeto é muito genérico e não
traz critérios objetivos para mensurar o desempenho dos servidores. Para ele, a
questão é naturalmente mais difícil no serviço público do que na gestão
privada.
Além disso, ele defendeu que, antes de impor um regime de
avaliações sobre o funcionalismo, o governo deveria se preocupar em
capacitá-los e dar a eles melhores condições de trabalho.
— Queria ver se há, por parte do governo, uma previsão de
melhoria da estrutura para o servidor. Há policiais trabalhando em delegacias
sem banheiro. Falta olhar para o servidor como ser humano, não bastam apenas
números. O Estado não te dá formas de atuar da melhor maneira possível. Se quer
cobrar, tem que dar os meios.
Os representantes dos servidores criticaram o formato da
avaliação previsto no projeto, argumentando que uma avaliação unipessoal da
chefia imediata seria um grande risco. No entanto, esse dispositivo não existe mais.
A senadora Juíza Selma (PSL-MT), relatora do projeto na CAS, lembrou que essa
regra estava na versão original da autora, senadora Maria do Carmo Alves
(DEM-SE), mas foi alterado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania
(CCJ).
Em seu parecer, Selma mantém o novo modelo, de uma comissão
formada por três pessoas: a chefia imediata, um outro servidor estável
escolhido pelo órgão de recursos humanos da instituição e um colega lotado na
mesma unidade.
Outra crítica formal foi dirigida à origem do projeto, que
nasceu no Senado. Segundo os críticos, qualquer mudança no regime dos
servidores públicos deve ser iniciada pelo Presidente da República, conforme
previsão da Constituição. O senador Lasier Martins (Podemos-RS), relator do PLS
116 na CCJ, argumentou que o projeto regulamenta uma previsão constitucional e,
nesses casos, a iniciativa pode ser do Congresso.
Conteúdo
O projeto propõe uma avaliação anual de desempenho dos
servidores, compreendendo o período entre 1º de maio de um ano e 30 de abril do
ano seguinte. Produtividade e qualidade serão os fatores avaliativos fixos,
associados a outros cinco fatores variáveis, escolhidos em função das
principais atividades exercidas pelo servidor nesse período. Inovação,
responsabilidade, capacidade de iniciativa, foco no usuário/cidadão são alguns
dos fatores variáveis a serem observados.
Enquanto os fatores de avaliação fixos vão contribuir com
até metade da nota final apurada, os variáveis deverão corresponder, cada um, a
até 10%. As notas serão dadas em uma faixa de zero a dez. E serão responsáveis
pela conceituação do desempenho funcional, dentro da seguinte escala: superação
(S), igual ou superior a oito pontos; atendimento (A), igual ou superior a
cinco e inferior a oito pontos; atendimento parcial (P), igual ou superior a
três pontos e inferior a cinco pontos; não atendimento (N), inferior a três
pontos.
A possibilidade de demissão estará configurada, segundo o
substitutivo, quando o servidor público estável obtiver conceito N (não
atendimento) nas duas últimas avaliações ou não alcançar o conceito P
(atendimento parcial) na média tirada nas cinco últimas avaliações. Quem
discordar do conceito atribuído ao seu desempenho funcional poderá pedir
reconsideração ao setor de recurso humanos dentro de dez dias de sua
divulgação. A resposta terá de ser dada no mesmo prazo.
Também caberá recurso da decisão que negar, total ou
parcialmente, o pedido de reconsideração. Essa possibilidade só será aberta
para o servidor a quem tenha sido atribuído conceito P ou N. O órgão de
recursos humanos terá 15 dias, prorrogáveis por igual período, para decidir
sobre o recurso.
Esgotadas todas essas etapas, o servidor estável ameaçado de
demissão ainda terá prazo de 15 dias para apresentar suas alegações finais à
autoridade máxima da instituição onde trabalha. O substitutivo deixa claro
também que a insuficiência de desempenho relacionada a problemas de saúde e
psicossociais poderá dar causa à demissão. Mas só se a falta de colaboração do
servidor no cumprimento das ações de melhoria de seu desempenho não decorrer
exclusivamente dessas circunstâncias.
Fonte: Agência Senado