Consultor Jurídico
- 23/02/2020
Passada a Reforma da Previdência, várias notícias surgem
acerca da próxima reforma que parece ser a prioridade no âmbito federal: a
reforma administrativa. Por sua vez, o que se percebe — de falas mais técnicas
até às mais desastradas — é que o foco dessa reforma está na estabilidade dos
servidores públicos e na forma de vínculo entre esses e os entes públicos.
Infelizmente, mais uma vez, é comum perceber a demonização dessa categoria,
tratada, de forma geral, como composta por pessoas que recebem muito mais do
que merecem, deixando a desejar na devida contrapartida.
De início, convém esclarecer que a estabilidade não é uma
bondade conferida ao servidor público. Trata-se de uma garantia importante
diante de situações concretas da vida brasileira, até hoje presentes. Sempre
que se fala em cargos públicos, dois elementos se destacam: o acesso por meio
de concurso, como regra, e a estabilidade dos servidores públicos.
Tais institutos, que são instrumentos para atingir a mesma
finalidade, não surgem ao acaso. Tratam-se da forma encontrada para tentar
realizar alguns dos primados que a administração pública deve seguir, a saber:
moralidade, impessoalidade e eficiência.
Não é necessário ir muito longe, em nossa história, para
trazer exemplos variados que revolvam situações diversas nas quais dos cargos
públicos foram utilizados como forma de agraciar pessoas, ganhar favores
políticos ou, simplesmente, aumentar a renda familiar. Nossa história política
é recheada de situações, nas quais o governante da ocasião ora busca agraciar
os seus, ora persegue aqueles que, detendo cargo público, não lhe estão
alinhados ideologicamente.
Quaisquer dessas situações atingem frontalmente a
moralidade, a impessoalidade e a eficiência que deve primar o Estado, sendo, de
certa forma, os antídotos encontrados para essas situações. Assim, qualquer
discurso genérico, supostamente modernizador, precisa apresentar uma solução
capaz evitar os malefícios inevitáveis, diante da nossa realidade cultural e
política, ao propor o fim ou flexibilização da estabilidade, bem como novas
formas de vínculo de trabalho com os entes públicos.
Por outro lado, outra questão relevante é a falta de
apresentação de dados fidedignos ou sua apresentação em pequena quantidade, no
que diz respeito a situação geral dos servidores públicos, tomados como um
todo. Diante desse cenário, buscou-se informações no “Atlas do Estado
Brasileiro”, resultado do trabalho conduzido no âmbito da Diretoria de Estudos
e Políticas sobre o Estado, as Instituições e a Democracia (Diest) do Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), disponível na internet[1].
Nesse estudo, observa-se, por exemplo, que a maior parte dos
funcionários públicos no Brasil se concentra no âmbito municipal. São 1,2
milhão na esfera federal, 3,7 milhões na esfera estadual e 6,5 milhões na
esfera municipal. Mais relevante ainda, entre estes, 40% dos servidores
municipais são professores, médicos, enfermeiros e agentes de saúde. No âmbito
estadual, somando a segurança pública a essas categorias, temos 60% dos
servidores.
Também é demonstrado que as melhores remunerações estão no
âmbito federal, que concentra a menor parte dos servidores. A remuneração média
das 25% remunerações mais altas chega a ser quatro vezes maior no âmbito
federal, em relação à municipal.
Esse quadro, ainda inicial, uma vez que não há proposta concreta,
parece traduzir um cenário desagradável: ao propor o fim da estabilidade, como
proposta supostamente modernizadora, estará, na verdade, deixando sem proteção
de potenciais perseguições políticas e preterições por apadrinhamentos, os
servidores com menor poder aquisitivo em relação às demais carreiras:
professores, médicos, enfermeiros, agentes de saúde e profissionais da
segurança pública.
O quadro piora quando se rememora que esse tipo de reforma
já foi realizada: a Emenda Constitucional 19/1998 já havia implementado
mecanismos para flexibilizar a estabilidade com base na eficiência,
possibilitando a demissão por insuficiência de desempenho.
Ao invés de questionar o como fazer funcionar essa solução,
que é interessante e já flexibiliza a estabilidade, busca-se um caminho mais
simples, sem se preocupar com os riscos envolvidos, que seria, simplesmente, o
de extinguir a estabilidade e criar formas precárias de vínculo com a
administração pública. Perde o cidadão, ao fim e ao cabo, que tanto necessita
de serviços públicos de qualidade.
[1] Disponível em: http://www.ipea.gov.br/atlasestado/.
Acesso em 10/02/2020.
Por Daniel Conde Barros e Ana Lydia de Almeida Seabra
Daniel Conde Barros é advogado do departamento de Direito
Administrativo do Martorelli Advogados.
Ana Lydia de Almeida Seabra é advogada do departamento de
Direito Administrativo do Martorelli Advogados.