segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Esplanada sem glamour


Brasil S.A - Luciano Pires
Correio Braziliense - 08/02/2010

Braço da República que arregaça as mangas, o Poder Executivo é a instância que pior remunera sua mão de obra

Em Brasília, é comum falar de salário em mesa de bar. Existe uma força invisível que parece mover as pessoas a se medirem pelo que ganham. Sem pudor. Os experts atribuem tal comportamento à alma administrativa da cidade, afinal de contas a capital nasceu burocrática desde o início. Mas não há como negar que a reinvenção do setor público patrocinada por Luiz Inácio Lula da Silva também contribui. A maciça (e ininterrupta) contratação de servidores nos últimos anos — conjugada com a histórica rivalidade entre os funcionários de cada Poder — alimenta essa competição quase surreal.

O que ninguém diz é que nem só de bons contracheques vive a Esplanada dos Ministérios. Assim como todo ramo da economia, o funcionalismo remunera sua força de trabalho de acordo com o papel que cada profissional exerce. Na complexa estrutura pública, alguns são vistos como prioritários, portanto, ganham mais. Outros, são percebidos apenas como coadjuvantes, logo, ganham menos.

A lógica se aplica, fundamentalmente, ao Executivo. Braço da República que arregaça as mangas, essa instância é a que pior remunera sua mão de obra. Legislativo e Judiciário estão no topo. Sempre. As disparidades entre os três são tão grandes que o Executivo levaria pelo menos 30 anos para alcançar as mesmas médias salariais dos dois “primos ricos”.

Não raro trabalhar para o governo é a última opção do carreirista de Estado, chamado jocosamente de concurseiro pela indústria das escolas preparatórias. Os cursinhos, aliás, dão pouca ou nenhuma publicidade a certos cargos da administração. Alguém se lembra de panfleto entregue no sinal de trânsito ou de outdoor em alguma parte da cidade anunciando salário que não seja hollywoodiano?

Lei da oferta e da procura
Apesar disso, há demanda. E é por causa dela que a máquina continua abrindo vagas para quem, mesmo tendo boa formação, aceita o emprego que, teoricamente, poucos se orgulhariam. A prova está no Diário Oficial da União. Todos os dias. Uma passada de olhos sem pretensão e, pronto, lá está: Ministério dos Transportes contrata. No edital, a previsão é admitir 170. Conforme o aviso, podem se inscrever candidatos que tenham curso superior ou apenas o nível intermediário. As especificações indicam que os aprovados vão desempenhar funções imprescindíveis para o bom funcionamento da engrenagem oficial, farão parte do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo (PGPE). Salários? Variam de R$ 2.067,30 a R$ 2.643,28.

Distribuídos por toda administração direta, autarquias e fundações, os servidores que integram o PGPE estão na base da pirâmide da hierarquia salarial pública. Homens e mulheres enquadrados nele faziam parte do antigo Plano de Classificação de Cargos (PCC), criado na década de 1970. Os novatos que ingressam agora na carreira talvez nem saibam que essa é uma das mais antigas.

Com a reestruturação promovida pelo governo em 2006 esse pessoal ganhou atribuições, recebeu algum sentido estrutural e até reajuste. Mas os ganhos financeiros ou funcionais ainda estão longe — muito longe — do que conquistaram as demais carreiras. Mesmo no âmbito do Executivo, setores experimentaram avanços significativos. Que o digam os gestores governamentais, os fiscais do trabalho, os auditores da Receita, os diplomatas e os advogados públicos. Essas carreiras eram raquíticas antes de 2003. Hoje, rivalizam com as coirmãs dos tribunais superiores e do Congresso Nacional.

Míope ou visionário?
Lula é criticado com certa frequência por incentivar concursos e preencher vagas de nível intermediário. É atacado ainda por alocar servidores com graduação para as chamadas áreas meio. Muita gente acredita que o melhor seria terceirizar ou, simplesmente, fechar esses postos, não admitir e pronto.

Há ainda quem compare os salários mais baixos do funcionalismo aos piores da iniciativa privada. Ruins para os padrões do Estado, as remunerações menos atraentes da União são, apesar de tudo, mais competitivas do que as das empresas. Sinal dos tempos. Nada mais. Prova de que o atual ciclo econômico tem beneficiado o servidor. Simples assim.

Se Lula enxerga o futuro ou não, a resposta pouco ajuda a explicar a atual corrida por salários. Menos ainda a entender por que as pessoas gostam tanto de dizer em qual concurso passaram, quanto ganham. Minhas sinceras homenagens ao PGPE, que, por razões óbvias, não se resume ao contracheque.

Luciano Pires é repórter de economia e blogueiro


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