segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

O salário dos juízes


Autor(es): Agência O globo:Antonio Cesar Siqueira
O Globo - 21/02/2011


Apartir deste mês, entra em vigor a lei, aprovada em cinco minutos no Congresso Nacional, no apagar das luzes de 2010, que reajusta os vencimentos de parlamentares, ministros de Estado, presidente da República e vice. Todos passam a ganhar R$26,7 mil. Para deputados e senadores, o novo salário significa acréscimo de 61%. No caso da Presidência, representa 133%, e, no tocante aos ministros, 150%.
Não se trata, aqui, de emitir qualquer juízo de valores sobre os ganhos dos ocupantes de cargos no Executivo e no Legislativo. Porém, é inevitável abordar a questão à luz de alguns conceitos equivocados difundidos à opinião pública, que acabam distorcendo fatos e informações e estabelecendo avaliação injusta sobre a situação de algumas carreiras. Entre estas, inclui-se a dos juízes de direito, cuja função pública é de extrema relevância para que a sociedade paute-se pelo estado de direito, a prevalência da ordem e a predominância da justiça nas interações entre todos os indivíduos e organizações.
 Pois bem, criou-se a falsa ideia de que os magistrados ganham salários muito elevados. É preciso conceituar corretamente essa questão, entendendo-se as peculiaridades da carreira. Para ser juiz, o indivíduo tem de ser bacharel em Direito, cujo curso superior tem cinco anos de duração. Depois, é preciso prestar rigorosos concursos públicos para ingressar na Magistratura estadual ou na federal. Não há indicação política e não existem nomeações por indicação. É pura meritocracia! Ou passa no concurso ou não se ingressa na carreira!
 Ademais, por força constitucional e por um princípio filosófico absolutamente correto, os juízes não podem ter funções paralelas, pois lhes são vedadas quaisquer atividades remuneradas além do exercício de sua própria profissão. Este limite, aliás, é imprescindível para a sua independência enquanto magistrados e para a soberania do Poder Judiciário, que não pode ser suscetível a influências alheias ao universo da lei e da lógica da Justiça. Esta característica é um dos alicerces basilares da democracia e do equânime exercício dos direitos individuais e coletivos.
 Por outro lado, os juízes não legislam sobre os próprios ganhos, como fazem os parlamentares, pois dependem destes para a aprovação e do Poder Executivo para a sanção de projetos de lei referentes aos seus vencimentos. Também não ganham extras de qualquer natureza. Recebem simplesmente o seu salário mensal, ao longo de toda a carreira. Assim, não se deve comparar os seus proventos com os de ministros de Estado, que, entre outras fontes, têm jetons por integrarem conselhos de empresas de economia mista, que superam o próprio valor dos subsídios, chegando, em alguns casos, a R$60 mil, ou de parlamentares, que também ganham extras para participar de sessões extraordinárias e recebem substantiva verba de gabinete para viagens, moradia, combustível e outras despesas, no montante de R$100 mil.
 Dada sua importância para a sociedade e o país, a Magistratura precisa oferecer salários com um mínimo de atratividade para os jovens bacharéis em Direito. Caso contrário, corre-se o risco de desestímulo crescente à carreira, o que seria danoso. Ao juiz cabem vencimentos compatíveis com a complexidade e a responsabilidade inerentes às suas funções, de modo que tenha independência, segurança de uma vida digna para sua família e muito foco na missão de fazer prevalecer o marco legal. Discutir a conveniência ou não da reposição inflacionária nesse quadro de absoluto desrespeito à regra constitucional do teto remuneratório parece cortina de fumaça para encobrir a real situação.
 Que, em nome da verdade, os atuais ministros de Estado e os do governo anterior abram suas contas para mostrar ao povo o que receberam de jetons e outras verbas decorrentes, direta ou indiretamente, do cargo. Nessa hora, o reajuste pretendido pelos magistrados parecerá discussão sobre o mínimo.


Share This

Pellentesque vitae lectus in mauris sollicitudin ornare sit amet eget ligula. Donec pharetra, arcu eu consectetur semper, est nulla sodales risus, vel efficitur orci justo quis tellus. Phasellus sit amet est pharetra