Blog do Josias de Souza
- 18/09/2011
Em 2009, sitiado por uma crise que o levou 11 vezes ao
Conselho de Ética, José Sarney (PMDB-AP) prometera “reformar” a administração
do Senado. Cavalgando o compromisso, Sarney acionou sua infantaria (Lula
inclusive), driblou as acusações (de atos secretos à contratação de
apaniguados) e salvou o mandato.
Decorridos dois anos, ficou pronta, em maio passado, a
última versão da prometida reforma das engrenagens viciadas do Senado. Redigiu
o texto Ricardo Ferraço, uma alma independente do PMDB do Espírito Santo. A
coisa foi aprovada em subcomissão presidida por Eduardo Suplicy (PT-SP).
Na versão Ferraço, a reforma prevê o corte de algo como R$
150 milhões nas despesas anuais do Senado. A lâmina atinge inclusive os
gabinetes dos senadores. Para entrar em vigor, a reforma precisa ser aprovada
em dois foros. Primeiro, na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça). Depois,
no plenário do Senado.
Chama-se Eunício Oliveira (PMDB-CE) o presidente da CCJ.
Recebeu o projeto das mãos de Ferraço. Comprometeu-se a levá-lo a voto na
comissão. Lorota. Decorridos quase cinco meses, Eunício, um senador das
cavalariças de Sarney, mantém na gaveta a proposta que atenua os pendores
perdulários do Senado.
Sarney e os outros 79 senadores, inclusive os que defenderam
seu afastamento da Presidência em 2009 –Pedro Simon, por exemplo— guardam
obsequioso silêncio. O atualíssimo debate sobre a urgência de reforçar as arcas
da saúde pública acrescenta ao silêncio do Senado um adjetivo: “É
ensurdecedor”, diz Ferraço.
Aprovado por unanimidade na subcomissão da CCJ, o texto de
Ferraço fixa prazo de 360 dias para o Senado redimensionar o hospital que
mantém em suas dependências. Enquanto eleitores pobres enfrentam as filas no
SUS e fenecem de espera, senadores, ex-senadores e servidores do Senado
usufruem de uma anomalia.
Distribuído em 2.500 m², funciona no Senado um hospital com
equipamentos sofisticados e cerca de cem profissionais da área de saúde. Entre
eles, 48 médicos, sete odontólogos, 13 psicólogos, três fisioterapeutas, um
farmacêntico, 23 técnicos em enfermagem e dois radiologistas.
No hospital do Senado, os salários começam em R$ 13,8 mil e
terminam em R$ 20,9 mil. É o sonho de qualquer servidor public do SUS. No dizer
de Ferraço, as instalações hospitalares do Senado constituem um “tapa na cara
da sociedade brasileira.”
Por quê? Senadores, ex-senadores, funcionários do Senado e
respectivos familiars dispõem de planos de saúde procidos pelo Tesouro. Coisa
fina. No caso dos senadores –atuais e antigos— o Senado cobre integralmente as
despesas médicas, inclusive no exterior, sem exigir um mísero centavo de
contribuição.
“Qual é o sentido de manter no Senado um hospital com
capacidade para atender uma cidade de porte médio?”, pergunta Ferraço. Ele
mesmo responde: “Nenhum sentido.” Até recentemente, o hospital do Senado
funcionava inclusive nos fins de semana. Só em horas extras, o contribuinte
desembolsava R$ 3,5 milhões ao ano.
O simples debate da reforma produziu a extinção da farra.
Levantamento da direção da Casa atestou que, nos fins de semana, atendia-se uma
média de três pacientes. O projeto de reforma que aguarda pela boa vontade de
Eunício Oliveira vai muito além das despesas hospitalares.
Sugere a redução das funções comissionadas do Senado de
2.072 para 1.129. Economia de R$ 28 milhões por ano. Propõe a poda dos cargos
com direito a comissão de 1.538 para 1.220. Corte de R$ 62 milhões por ano.
Advoga o enxugamento das secretarias do Senado de 38 para
meia dúzia. Cancelamento de despesas de R$ 10 milhões por ano. A reforma desce
aos gabinetes dos 81 senadores. Hoje, cada senador dispõe de 12 “cargos de
livre provimento”. Gente contratada sem concurso.
Em sua sacrossanta generosidade, a direção do Senado
autoriza os senadores a “desdobrar” as contratações. Assim, em vez de contratar
um assessor com salário de R$ 12 mil, contratam-se seis com vencimentos de R$ 2
mil cada um.
Da mágica resulta que cada senador emprega –em Brasília e
nos Estados— até 79 assessores. Com a reforma, os cargos de gabinete caem de 12
para sete. Desmembrando-se os contracheques, iriam à folha até 55 auxiliares,
não mais 79.
Por que diabos o projeto ainda não foi levado a voto?
Confrontado com a pergunta do repórter, Ferraço solta uma gargalhada. Depois,
declara: “Sinceramente, não sei.” Ele acrescenta: “Está pronto. Mas, no Senado,
as coisas só andam se há vontade política.”
Ferraço recorda que que o contribuinte gastou R$ 500 mil
para pôr o projeto de reforma em pé. O dinheiro desceu à caixa registradora da
Fundação Getúlio Vargas em duas parcelas de R$ 250 mil.
O primeiro desembolso pagou uma proposta de reforma
elaborada pela FGV em 2009, ano em que Sarney ardeu em crise. Desfigurado em
debates internos, resultou em nada. Em 2010, nomeou-se uma comissão para
acertar os desacertos.
Presidida por Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) e relatada por
Tasso Jereissati (PSDB-CE), a comissão encomendou novo estudo à FGV. Mais R$
250 mil. Tasso perdeu o mandato de senador e nada foi votado.
Constituída em fevereiro de 2011, a comissão que teve Ferraço
como relator serviu-se do relatório herdado de Tasso para produzir a nova
proposta de reforma. De novo, o tetrapresidente Sarney e sua infantaria
respondem com golpes de gaveta. Até quando?