Autor(es): Fábio Fabrini
O Globo - 01/11/2011
Estrutura deficiente é obstáculo para ministérios cumprirem
ordem de Dilma
BRASÍLIA. A determinação expressa da presidente Dilma
Rousseff de devassar convênios com organizações não governamentais (ONGs)
esbarra numa carência crônica do governo que o decreto assinado por ela,
sozinho, não resolve: a estrutura de fiscalização dos ministérios para análise
das prestações de contas é raquítica, gerando pilhas de casos acumulados. Uma
auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) mostra que, conforme a pasta,
cada servidor tem de dar conta de mais de 300 processos com prazo vencido.
O TCU levantou o número de funcionários disponíveis para
avaliar a regularidade da aplicação das chamadas transferências voluntárias,
celebradas pelo governo por meio de convênios e termos de parceria, não só com
ONGs, mas com prefeituras, estados e outros entes públicos. Aprovada em
novembro de 2011, a auditoria mostrou que havia 1.061 servidores para a função,
mal distribuídos.
Só o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE),
autarquia ligada ao Ministério da Educação (MEC), acumulava 15,4 mil prestações
de contas, cujos repasses somavam R$4 bilhões, sem parecer sobre a
regularidade. Havia, pendentes, 173 casos por fiscal. O Fundo Nacional de
Assistência Social, de responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Social
e Combate à Fome, estava em situação pior: 347 casos para cada servidor
analisar.
No ranking, surgem em seguida o Fundo Nacional de Segurança
Pública, do Ministério da Justiça (126 processos por funcionário); o Ministério
do Turismo (92); a Fundação Capes, do MEC (74); e a Financiadora de Estudos e
Projetos (Finep), do Ministério da Ciência e Tecnologia (43).
O levantamento contemplou os 13 órgãos com os maiores
passivos do governo, que armazenam 89% dos convênios e parcerias sem análise.
Juntos, tinham 44,4 mil processos na prateleira, cujos valores alcançavam R$16
bilhões.
O relatório frisa que, devido a falhas do Sistema Integrado
de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), o acúmulo pode ser
maior. E aponta disparidades. Se em alguns órgãos a pilha de processos por
servidor chega às centenas, em outros não passa de cinco, caso do Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
A Presidência da República informou que a devassa caberá a
cada ministério. Mas eles podem pedir reforço à Controladoria Geral da União
(CGU). Questionado, a CGU explicou que está avaliando como poderá ajudar as
demais pastas, se acionado. Hoje, as equipes atuam no limite.
- O orçamento da CGU demonstra que o governo não tem
capacidade de fazer esse tipo de devassa. Mas compreendo a presidente Dilma. O
que ela quer é se antecipar ao surgimento de novas denúncias - diz o sociólogo
e cientista político da Universidade de Brasília (UnB), Leonardo Barreto,
acrescentando que o controle de convênios e parcerias nunca foi prioridade.
O decreto determina que os ministérios avaliem a
regularidade da execução dos convênios, contratos de repasse e termos de
parceria celebrados até 16 de setembro com entidades sem fins lucrativos. Eles
têm 30 dias para fazê-lo, período em que, com exceções, estão suspensos os
pagamentos a essas entidades. Na prática, a análise já é obrigatória em 60 dias
após a entrega das prestações de contas, determina o Tesouro Nacional.
A devassa exclui estados, prefeituras e órgãos públicos,
cujos convênios são maioria e responsáveis pelos maiores desvios. Neste
primeiro semestre, o dinheiro cobrado pela União desses entes chega a R$690
milhões, contra R$266 milhões das ONGs.