sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

O pesado custo da previdência pública



Claudia Safatle
Valor Econômico      -      20/01/2012





O Brasil gasta quase 5% do Produto Interno Bruto (PIB) com a previdência dos servidores públicos nos três níveis de governo. É mais do que o dobro da mediana do que gastam os países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), 2% do PIB (mediana); e muito além do que um grupo de 26 países em desenvolvimento, cuja despesa previdenciária com o funcionalismo é de 1,5% do PIB. Diferente da média, a mediana representa o ponto central dos valores colocados em ordem de magnitude.

E oportuna e urgente a avaliação e discussão desses indicadores, que constam da próxima carta do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), justamente no momento em que se debate, no Congresso Nacional, a criação do fundo de previdência complementar do funcionários públicos federais (o Funpresp). Uma ideia que se arrasta há 13 anos, desde a emenda constitucional de 1998, que abriu essa possibilidade.

Praticamente metade do gasto previdenciário no Brasil é com 1,1 milhão deservidores federais e é na União que se concentra a grande iniquidade do sistema, na medida em que os Estados e municípios têm avançado na criação dos seus fundos de previdência. Até 2015, 40% desse contingente estará apto a se aposentar pelas leis em vigor (que asseguram benefícios muito próximos ao salário integral recebido no fim da vida ativa).

Reforma é importante avanço institucional
A urgência de novos concursos públicos federais para repor essa força de trabalho demanda celeridade na aprovação do Funpresp. Somente a partir da criação dos fundos de previdência para os três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), é que os servidores poderão ser contratados com base na legislação nova, que estabelece para os novos servidores o mesmo teto de aposentadoria dos trabalhadores da iniciativa privada, hoje de R$ 3.912,20. Para complementar sua renda quando inativo, os concursados que ingressarem no serviço público terão que contribuir para um fundo de pensão como qualquer mortal.
A diferença entre os direitos dos trabalhadores do setor público e os do setor privado "se intensifica ainda mais quando se levam em consideração a estabilidade no emprego (...) bem como dos benefícios deixados para familiares em caso de morte do titular: as chamadas pensões por morte, que se aproximam ou até replicam o valor integral do último salário do servidor na ativa", diz a carta do Ibre.

"Mesmo a contribuição de 11% do salário, descontada dos servidores públicos, não elimina a sensação de que o funcionalismo é um grupo social privilegiado", completa.

Em 1984, somente as carreiras de Estado eram estatutárias. Todo o restante do funcionalismo já era contratado pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). 

Foi o governo Collor que, em 1990, instituiu o regime jurídico único (preconizado na Constituição de 1988), estabelecendo a condição geral de estatutários para os servidores e os benefícios a ela vinculados.

Enquanto o déficit do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que abarca quase 30 milhões de trabalhadores do setor privado, tem diminuído, o do regime de previdência dos servidores segue em sistemática expansão. Em 2011 a União gastou cerca de R$ 80 bilhões com o pagamento dos seus inativos e recebeu, a título de contribuição previdenciária, apenas R$ 25 bilhões. O déficit do regime próprio dos funcionários foi, portanto, de cerca de R$ 56 bilhões. A estimativa do governo é que ele cresça para R$ 61,6 bilhões este ano e prossiga em elevação na base de 10% ao ano nos próximos exercícios. "É uma sangria", comentou o ministro Garibaldi Alves, da Previdência Social.

Já o RGPS recebeu R$ 251,2 bilhões em contribuições previdenciárias no ano passado e pagou R$ 287,7 bilhões em benefícios, resultando num déficit de R$ 36,5 bilhões, concentrado na previdência rural. Comparado aos R$ 47 bilhões de 2010, houve, portanto, uma queda real de 22,3%, decorrente do aumento da oferta de emprego com carteira assinada. Na previdência urbana registrou-se superávit de R$ 20,8 bilhões (135,1% a mais do que em 2010).

Na análise do projeto do Funpresp, os economistas do Ibre apontam uma série de aspectos positivos. " Uma primeira questão que salta aos olhos nesse esquema é que ele acaba com o princípio do benefício vitalício para os servidores para qualquer valor de aposentadoria superior ao teto do INSS", diz a carta, dentre outros. Consideram o modelo de governança da proposta do Funpresp "robusto" e salientam que, conforme a reforma que vier a ser aprovada, ela pode se constituir num importante impulso para a poupança pública, fator de equidade e avanço institucional do país.

A partir de uma decisão da presidente Dilma Rousseff, no ano passado, o projeto de reforma da previdência pública, enviado em 2007 pelo Executivo, saiu das gavetas do Congresso e começou a tramitar. O governo quer aprovar e sancionar o projeto ainda este ano.

Não é prudente, porém, subestimar a força do lobby dos sindicatos e associações dos funcionários públicos, em sua quase totalidade vinculados à CUT, e, em particular, da dura oposição dos funcionários do Judiciário e das associações dos juízes federais.

Assim como a alta taxa de juros que vigora no país pode ser vista como a maior distorção da economia brasileira, os benefícios apropriados pelos servidores públicos se configuram como uma grande injustiça. Os juros, porém, sensibilizam a sociedade. A previdência pública, ainda não.

Claudia Safatle é diretora adjunta de Redação e escreve às sextas-feiras
E-mail claudia.safatle@valor.com.br



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