O Globo - 19/07/2012
Se, no primeiro ano de governo, Dilma teve de enfrentar a
questão ética e política de conviver ou não com "malfeitos" -
resultantes do fisiologismo adotado na montagem de sua equipe -, agora ela é
confrontada por uma onda de greves no setor público, num desafio a suas
intenções de manter o equilíbrio fiscal, e, com isso, a própria estabilidade da
economia.
Em 2011, Dilma fez o que devia ser feito, foi até o limite
de compromissos político-partidários e investiu contra esquemas de corrupção
incrustados em ministérios (Transportes/PR; Esporte/PCdoB; Agricultura/PMDB;
Turismo/PMDB). Agora, depara-se com um problema tão ou mais complexo, pois tem
de enfrentar corporações sindicais atuantes no funcionalismo, bastante
fortalecidas nos últimos nove anos de compartilhamento de poder em Brasília. A
onda grevista apanha o governo, e o país, em mau momento: perda de velocidade
na arrecadação, devido ao desaquecimento econômico, bem como a efeitos da
concessão de vários incentivos fiscais, para reduzir custos das empresas
afetadas pela desaceleração. Só as duas medidas provisórias de incentivo
aprovadas na Câmara esta semana implicam renúncia fiscal de R$ 20 bilhões. À
frente, o crescimento repõe a perda. Mas leva algum tempo.
Acostumadas às benesses obtidas na gestão Lula,
principalmente no fim do último governo, categorias de servidores querem
continuar a avançar sobre o Orçamento. Não é apenas inapropriada a conjuntura
econômica para fazer um emparedamento sindical do Planalto. Também os números
frios das folhas de salários não o justificam. Pode haver uma ou outra
disparidade dentro do setor público, mas os servidores ganham, na grande
maioria das funções, mais que o assalariado das empresas privadas em atividades
idênticas. E ainda têm a vantagem da estabilidade.
As greves se alastram na administração direta e estatais.
Estimava-se, terça-feira, em 135 mil os funcionários em greve, dos quais 105
mil professores universitários. As reivindicações - como costuma ser - são
irreais. Um exemplo: na Eletrobrás, pede-se 10,7%, quando a oferta é de 5,1%.
Se, numa hipótese absurda, todas as demandas fossem atendidas, as folhas de
pagamento dariam um salto de R$ 92 bilhões, dos quais R$ 60 bilhões no
Executivo - quase tanto que todo o orçamento da Saúde. Impossível, é claro.
A presidente Dilma, há pouco, alertou: "Não se deve,
neste momento, brincar à beira do abismo." E a maneira mais fácil de se
cair nele é não reativar, como tem sido prometido, os investimentos - os
públicos e, por tabela, os privados -, e se insistir em manter as despesas de
custeio à rédea solta. Infelizmente, o problema continua, informou anteontem o
jornal "O Estado de S. Paulo". Por não desatar nós gerenciais para
enfim deslanchar os investimentos, e, devido ao choque em várias despesas
(Previdência, linhas assistencialistas) causado pelo grande aumento do salário
mínimo, as despesas em custeio continuam lépidas. Se o governo fraquejar diante
da pressão sindical, o quadro ficará mais grave.
Dilma está numa encruzilhada que pode definir a fase final
de seu governo: em 2014 o país poderá estar na direção do crescimento
sustentado ou atolado na mediocridade de baixas taxas de expansão, pois os
investimentos exigidos pela infraestrutura, as desonerações tributárias mais
amplas, etc. não terão sido feitos.