Valor Econômico -
13/08/2012
Não é a primeira vez que se assiste ao estremecimento das
relações entre um governo do PT e o funcionalismo público, categoria de
trabalhador que ajudou a fundar o partido no início dos anos 80 do século
passado. Nos primeiros anos da gestão Lula, sindicatos dos servidores também
romperam com o governo. O motivo foi a proposta feita pelo então presidente
Luiz Inácio Lula da Silva de igualar, por meio de um projeto de emenda
constitucional, as regras de aposentadoria existentes no país.
Até então, os servidores públicos tinham direito à aposentadoria
integral, enquanto os trabalhadores do setor privado eram obrigados a se
aposentar pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), cujo teto hoje é R$
3,9 mil. A proposta feita por Lula representou uma quebra de paradigma na
esquerda brasileira, até então defensora intransigente dos privilégios dos
funcionários públicos.
Lula obteve êxito na aprovação da reforma pelo Congresso,
mas durante a tramitação da matéria sofreu inúmeros revezes políticos,
responsáveis pelo desgaste de sua imagem junto à antiga base social. Um deles
foi a dissidência surgida dentro do PT que resultou na fundação do PSOL. Menos
de dois anos após a aprovação da reforma, o escândalo do mensalão acuou o
presidente de tal maneira que ele desistiu de regulamentar a mudança da previdência
e decidiu procurar apoio dos sindicatos para se sustentar no poder.
Em julho de 2005, no auge da crise do mensalão, Lula nomeou
para o Ministério do Trabalho Luiz Marinho, então presidente da Central Única
dos Trabalhadores. Pouco depois, entregou essa pasta ao PDT, deslocou Marinho
para o Ministério da Previdência Social, uma antiga reivindicação dos
sindicatos, e realizou uma façanha: a unificação do movimento sindical em torno
de sua figura.
Dali em diante, Lula passou a conceder reajustes salariais
generosos aos funcionários públicos. Os aumentos foram bem superiores à
inflação, incrementando a distância entre os vencimentos dos servidores e os
dos assalariados do setor privado com mesmo nível de qualificação. Os
constantes reajustes fizeram com que as principais categorias do serviço
público passassem a ter salários iniciais incompatíveis com a realidade
nacional - fiscais da Receita Federal, por exemplo, começam a carreira
recebendo R$ 13.600; diplomatas, analistas do Banco Central e gestores, R$
12.960.
Quando era líder sindical nos anos 70 e mesmo depois de
assumir a presidência da República, Lula dizia que greve sem corte de ponto é
férias. Ele se referia, de forma irônica, às paralisações do funcionalismo, que
não sofre, como no setor privado, desconto do salário pelos dias parados. Além
de receber o salário dos dias não trabalhados, o servidor em greve não corre
risco de perder o emprego. É isso que explica o fato de os professores das
universidades e dos institutos técnicos federais estarem em greve há mais de
três meses. Lula chegou a cogitar a regulamentação do direito de greve no
serviço público, mas, também por causa do mensalão, abandonou a ideia.
Assim como Lula fez com a reforma da previdência, a
presidente Dilma Rousseff rompeu nessa área tradições da esquerda. Primeiro,
decidiu regulamentar a reforma aprovada por Lula, acabando de uma vez por todas
com o instituto da aposentadoria integral. Há duas semanas, baixou o decreto
7.777, autorizando o governo federal a assinar convênios com Estados e
municípios para substituir servidores em greve. Trata-se de uma medida dura,
ousada, de quem está disposto a ir ao limite no enfrentamento das greves.
É fato que o governo demorou muito a agir. Se desde o início
sabia que não poderia atender às reivindicações dos funcionários, Brasília
deveria ter explicitado isso com argumentos sólidos em comunicação não somente
aos servidores, mas também à sociedade. O Palácio do Planalto se fez, porém, de
desentendido, talvez confiante no capital político da presidente (80% de
aprovação neste momento). Arrogante, essa postura levou os sindicatos à
radicalização, o que é muito ruim para o país.
Embora seja um despropósito o pleito das principais
categorias do funcionalismo - reajuste de 22%, percentual muito superior à inflação,
de 5% em 12 meses -, o governo tem que buscar uma solução para acabar com as
greves. Um desenlace, certamente, não passa pelo atendimento pleno da
reivindicação dos servidores, mas muito menos pelo imobilismo. Cidadãos e
empresas estão sofrendo em seu cotidiano as consequências deletérias da
radicalização de lado a lado.