Correio Braziliense
- 06/08/2012
Mesmo pressionado pela greve nacional dos servidores
públicos, de braços cruzados há quase dois meses, o Palácio do Planalto resiste
diante da possibilidade de colocar a mão no bolso. Com R$ 180 bilhões do
Orçamento comprometidos pela folha de pagamento do funcionalismo nos Três
Poderes, o governo precisa adicionar a essa conta outros R$ 936 milhões anuais
pagos aos quase 90 mil funcionários do Executivo que estão em condições de se
aposentar — somam, no mínimo, 51 anos de idade mais os 35 de trabalho no caso
de homens e os 30 no de mulheres —, mas decidem continuar na ativa. Eles
recebem a mais 11% do salário pelo chamado bônus de permanência.
E esse número deve crescer, e muito, pelos próximos quatro
anos. Um levantamento que mapeia os servidores ativos da administração pública
por idade, feito pelo Ministério do Planejamento, aponta que, de 52 órgãos do
Executivo pesquisados, ao menos 20 deles têm trabalhadores em condições de se
aposentar. Estima-se que, só este ano, 59 mil pessoas possam optar por parar de
trabalhar ou receber o bônus de permanência (veja quadro). E a projeção até
2016, de acordo com o órgão, chega a 200 mil funcionários.
No entanto, apesar de elevado, o custo com a bonificação
ainda é mais vantajoso que aposentar todos os servidores com perfil, defendem
especialistas. Isso porque, além da remuneração, o governo tem de considerar o
salário do novo funcionário, contratado por meio de seleção pública. Por isso
mesmo, o Executivo tem sido mais cauteloso nos últimos anos com a realização de
concursos.
O economista Mansueto Almeida exemplifica as duas situações.
"Dependendo do cargo, é melhor para o Estado que o servidor continue
trabalhando. No caso de um gestor da Receita Federal, o salário da inatividade
será de R$ 18,5 mil. Se ele desistisse de se aposentar, receberia adicional de
R$ 2 mil. E um novo funcionário custaria cerca de R$ 13 mil", calcula.
Até 70 anos
A opção de o servidor continuar trabalho pode ser estendida
até, no máximo, os 70 anos de idade, quando, por lei, ele precisa ser
aposentado compulsoriamente. "O número de novas aposentadorias por ano é
de cerca de 11 mil. Se metade das pessoas que reúnem condições decidir exercer
esse direito, estamos falando de cerca de 25 mil aposentadorias por ano. É mais
que o dobro da média", argumenta Almeida. Com isso, para ele, a
necessidade iminente de novos trabalhadores em breve vai pesar mais na folha de
pagamento do governo.
O economista Raul Velloso ressalva, no entanto, que, apesar
de serem mais econômicos para o Planalto, os casos de bônus de permanência
deveriam ser analisados individualmente para evitar que problemas de
ineficiência atinjam a máquina pública. "Ocupar um mesmo posto por muitos
anos pode significar acúmulo de experiência ou de vícios. Não dá para falar que
a predominância de pessoas mais velhas na administração é positiva ou negativa,
varia caso a caso", defende. Para Velloso, cabe ao Executivo pesar o que
vale mais: o ganho financeiro ou a eficiência.
Janelas
De acordo com Mansueto Almeida, esse boom de aposentadorias
acontece por má gestão na renovação do quadro de servidores. Na década de 1990,
argumenta, foram realizados poucos processos seletivos, fazendo com que o
número de ativos encolhesse. A situação se manteve assim até 2002. Essa janela
de funcionários em condições de parar de trabalhar só ocorreu em outros dois
momentos na história do Brasil.
O primeiro foi em 1988, após a promulgação da Constituição,
quando eles deixaram de seguir a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e
passaram a integrar o Regime Jurídico Único, mudança que ampliou o número de
pessoas em condições de parar de trabalhar e causou impacto nas contas do
governo no início dos anos 1990. A outra fase com grande número de aposentadorias
foi entre 1995 e 1996, quando muitos funcionários ficaram com medo da reforma
da Previdência. Depois disso, a situação se estabilizou.
"O curso não prepara os selecionados para o BC de forma
completa. As especificidades, eles só aprendem aqui dentro, fazendo"
Altamir Lopes, diretor de Administração do BC
Banco Central enfrenta esvaziamento do quadro
VÂNIA CRISTINO
A situação do Banco Central, que já está crítica em termos
de pessoal, vai piorar nos próximos dois anos. Hoje, o BC já conta com menos
1.963 funcionários em relação ao quantitativo disposto em lei, que é de 6.470
pessoas. Até 2014, e sem um concurso à vista, a situação mostra-se preocupante.
Nada menos que 1.149 dos atuais 4.507 servidores terão condições de pedir a
aposentadoria. Se nada for feito, o Banco Central perderá, em dois anos, 25% da
sua força de trabalho.
O diretor de Administração da instituição, Altamir Lopes,
admite que a situação é complicada, mas diz que a diretoria do banco tem feito
de tudo para disponibilizar pessoal nas áreas que precisam e que o serviço vem
sendo realizado a contendo. "Nosso pessoal é altamente qualificado e
experiente", salienta.
Lopes adianta que o Banco Central vai entrar com pedido de
processo seletivo ainda este ano. Porém, mesmo que a solicitação seja
autorizada de imediato pelo Executivo, a instituição só terá condições de
colocar o certame na rua em 2013, para contratação em 2014. E, como acontece no
Palácio do Itamaraty, assim que entra, o novo funcionário passa por aulas e
ainda demora um tempo para pegar a manha do serviço.
"O curso, no entanto, não prepara os aprovados para o
Banco Central de forma completa. As especificidades do trabalho, eles só
aprendem aqui dentro, fazendo", explica. O diretor defende a reposição
continuada de trabalhadores para que os mais jovens aprendam com os mais
velhos, e a instituição consiga evitar o que enfrenta hoje: o envelhecimento do
seu quadro de pessoal.
Pelos dados da diretoria de Administração, 6,66% da força de
trabalho do BC, um quantitativo de 300 servidores, já estão com idade acima de
60 anos. Outros 36,35 % superam os 51 anos. E, apenas 10% do quadro, o
equivalente a 465 funcionários, têm menos de 30 anos.
Saídas
Com tantas pessoas já com tempo de serviço e idade para
parar de trabalhar e outras prestes a solicitar o benefício, o Banco Central
sofre com a progressão exponencial dos pedidos de aposentadoria. O número de
funcionários que entraram na inatividade saltou de 270, em 2009, para 382 no
ano passado. E, até 30 de junho deste ano, 212 servidores requeriram o
encerramento das atividades. Outros 661 já contam com o direito adquirido e
podem pedir, a qualquer hora, o benefício integral. Mais 136 terão o direito à
aposentadoria até o fim do ano.
Para os próximos anos, a situação também não é nada
tranquila. Em 2013, mais 221 profissionais poderão se aposentar e, em 2014,
outros 131 funcionários terão direito a deixar o órgão. Altamir Lopes argumenta
que não dá para pedir para o servidor ficar. "Ele adquiriu o direito e, em
geral, sai mesmo", afirma. O que prova que os 11% de abono de permanência
não tem ajudado o BC a segurar seu pessoal.
E, mesmo com um concurso, não é certo de a instituição
conseguir reter todo mundo. Os salários do BC já foram reajustados — hoje o
salário inicial de um técnico, de nível médio, é de R$ 4,9 mil, o de um
analista ultrapassa os R$ 12 mil e o de um procurador, os R$ 14 mil — mas ainda
assim a instituição perde colaboradores para qualquer tribunal ou órgão do Poder
Legislativo.
Foi o que aconteceu com o último concurso, realizado em
2009, quando foram selecionadas 818 pessoas. Desse total, 51 analistas pediram
exoneração imediatamente ou nem chegaram a tomar posse — o mesmo aconteceu com
45 técnicos e seis procuradores. Do mais de 4 mil efetivos hoje, o BC não
desconta os 90 cedidos para outros órgãos, inclusive internacionais, e os 52
servidores que estão fazendo mestrado ou doutorado.