Fausto Macedo e Fernando Gallo
O Estado de S. Paulo
- 18/02/2013
Dados publicados em site oficial mostram que, em dezembro,
tribunal liberou verba a título de quitar dívida com quem ocupou cargo de
confiança de 1998 a 2001, embora direito ao quinto esteja em discussão no STF
O Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de São Paulo abriu os
cofres e pagou R$ 5,34 milhões a um grupo de 41 servidores - todos funcionários
administrativos - em dezembro de 2012. O mais bem aquinhoado, Dogival dos
Santos Hipólito, secretário judiciário, levou de uma só vez R$ 300.089,55 a
título de Vantagem Pessoal Nominalmente Identificada (VPNI). Os dados estão
disponíveis no site do tribunal.
O TRE informou que a verba de fim de ano - liberada a toque
de caixa enquanto cresce a fila de precatórios - teve respaldo em acórdão da
própria corte, relatado em votação unânime no dia 8 de novembro.
O tribunal alega que a VPNI foi paga a servidores efetivos
que exerceram funções comissionadas entre 1998 e 2001. Pelo exercício do cargo
de confiança, teriam direito a uma gratificação denominada quinto. A cada ano
no exercício da função, eles fariam jus à incorporação, em seus subsídios, de
uma quinta parte do adicional. Os servidores agora contemplados com os R$ 5,34
milhões - valor corrigido com juros de mora - alegaram não ter recebido a VPNI,
e por isso a pleitearam perante o próprio tribunal (leia abaixo).
A corte decidiu pagá-los mesmo sem que o Supremo Tribunal
Federal (STF) tenha pacificado um entendimento sobre a legalidade do pagamento
dessa verba, contestada judicialmente pela Advocacia-Geral da União.
Segundo o tribunal paulista, os recursos foram
disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Os valores liberados
não incluem os vencimentos normais. Não há magistrados entre os que receberam a
VPNI.
Os dez primeiros da lista embolsaram quantias acima de R$
200 mil. Juntos, eles receberam R$ 2,35 milhões, ou quase a metade do montante
recebido por todo o elenco de funcionários. Entre os 41 agraciados estão oito
servidores inativos, que receberam ao todo R$ 664.890,76. Entre eles, o que
recebeu mais viu entrar em sua conta um total de R$ 105.104,20.
Ranking. Todos os 41 servidores são funcionários de
carreira. Alguns ocupam cargos de confiança. Cláudia Cistolo Pereira Pinto,
chefe de cartório da 258.ª zona eleitoral (Indianópolis) embolsou R$ 292.264. É
a segunda do ranking. A terceira, Simone Ursulino Figueiredo Brancalhão, chefe
de cartório da 4.ª zona eleitoral (Mooca), recebeu R$ 253.244 - em novembro,
ela havia recebido R$ 23.418 e, em outubro, R$ 10.421,52.
O quarto colocado da lista é Willians Arrais Dutra, chefe de
cartório da 249.ª zona eleitoral (Santana), que ganhou R$ 245.170 - em outubro,
ele recebeu R$ 7.925,15. Em seguida aparece Elaine Aparecida Barbosa de Souza
Dias, funcionária da assessoria de Planejamento, com R$ 224.229. Em novembro
ela havia recebido R$ 18.151, e, em outubro, R$ 10.148,08.
A secretária de Administração de Material, Rhodes Moraes
Lambert, ficou com R$ 206.683,25, enquanto a diretora-geral do TRE, Jade
Almeida Prometti, recebeu R$ 142. 582.
Entre os servidores do tribunal que não ganharam nenhuma
verba eventual, o comentário geral é que os contemplados receberam “valores
lotéricos”.
Imbróglio. Os tais quintos desse imbróglio judicial eram uma
vantagem prevista no Estatuto do Funcionalismo (Lei 8.112/90), artigo 62. A
norma previa expressamente que, a cada ano de permanência em um cargo de
confiança, o servidor recebia e incorporava a seu salário 20% do valor de
gratificação.
A vantagem durou pouco. Em seu governo, Fernando Henrique
Cardoso (PSDB) extinguiu-a por força da Lei 9.624, de abril de 1998. Quem já
havia recebido o benefício ficou com ele, na linha do direito adquirido.
Em 2001, a Medida Provisória 2.225 definiu que aquela
extinta vantagem prevista no artigo 62 do estatuto se transformou em VPNI. A
partir daí, em todo o País o Poder Judiciário interpretou a seu modo que os
quintos poderiam ser pagos em “valor cheio”, ou seja, a gratificação
incorporada totalmente, não mais parceladamente.
Em 2003, o Tribunal de Contas da União (TCU) decretou a
ilegalidade da benesse, mas dispensou os funcionários de devolver o dinheiro já
recebido.
Contra essa decisão do TCU, que permitiu a incorporação da
gratificação dos quintos até setembro de 2001, a Advocacia-Geral da União
recorreu ao STF, com mandado de segurança.
O Supremo ainda não julgou o caso, mas o TRE paulista não
perdeu tempo. Mandou pagar seu pessoal amparado no conceito de que os tribunais
têm autonomia administrativa, prevista no artigo 99 da Constituição.
Diversos órgãos públicos País afora tradicionalmente
utilizam no último mês do ano suas sobras orçamentárias para não ter de
devolvê-las ao Tesouro. Geralmente, destinam as verbas aos holerites de seus
servidores.
Hora extra. Em janeiro, o TSE exonerou dois funcionários,
entre eles seu diretor-geral, após a divulgação da informação de que o tribunal
pagou verbas milionárias em horas extras a seus funcionários. Só em novembro,
567 servidores receberam um total de R$ 3,8 milhões - o mais beneficiado
embolsou R$ 64 mil.
O episódio provocou a irritação da presidente da corte
máxima da Justiça Eleitoral, ministra Cármen Lúcia, que ordenou investigação do
caso.
O acréscimo médio no salário dos 50 servidores do TSE que
mais receberam foi de R$ 18,1 mil. Levados em conta apenas os dez mais bem
remunerados, o valor foi de R$ 23,8 mil. No caso do TRE paulista, os 41
servidores tiveram um adicional médio da ordem de R$ 130,6 mil em seus
vencimentos. Os dez mais “ricos” receberam um extra que, na média, é de R$
235,6 mil.