Rosana Hessel
Correio Braziliense - 21/02/2013
Movido pelo sonho de ter um emprego estável, boa remuneração
e horário de trabalho flexível, um número cada vez maior de pessoas tem deixado
de lado a carreira na iniciativa privada para batalhar uma vaga no
funcionalismo público. A intensificação desse movimento, no entanto, atinge em
cheio a economia do país, pois reduz a oferta de profissionais especializados.
A
situação se torna ainda mais grave em áreas nas quais eles já são escassos,
como as de engenharia e tecnologia. Essa realidade é uma das constatações do
estudo Pensando Direito, elaborado pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e pela
Universidade Federal Fluminense (UFF), ao qual o Correio teve acesso.
Em expansão pelo país, os certames movimentam, segundo dado
da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos (Anpac), cerca de R$
50 bilhões por ano — cálculo que considera os principais gastos dos concurseiros,
como aulas, inscrições e alimentação.
Coordenador da pesquisa da FGV e da UFF, o professor Fernando Fontainha
ressalta que o grande contingente de pessoas graduadas que se dedicam às
seleções gera um deficit de talentos no mercado. "Os salários e a
estabilidade oferecidos tornam irracional que alguém faça qualquer outra coisa
que não um concurso."
Previsto para ser divulgado amanhã, durante o evento
"Brasil, o País dos Concursos?", o levantamento — que foi encomendado
pelo Ministério da Justiça e pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (Pnud) — mostra que o crescimento da procura por concursos
também gera prejuízos à máquina pública. Isso porque, em busca da maior
quantidade de benefícios individuais, os candidatos não se conformam com a
primeira aprovação e troquem o posto por oportunidades melhores.
"Muitos entram (em uma
instituição que não querem) para, depois, estudar para outras, até conseguir as
que desejam. Nisso, vão deixando vagas abertas e criando deficits de pessoal
nos órgãos públicos", confirma Ernani Pimentel, presidente da escola
Vestcon. Isso faz com que o Estado tenha de fazer provas mais frequentemente e
gaste mais.
A nutricionista Andreia Portela, 25 anos, é um exemplo
disso. Com dedicação exclusiva às seleções públicas há um ano, ela já encarou
10 provas. "Tem muitos que eu faço só para treinar, mas se passar eu
assumo, mesmo que não seja para minha área", disse. A meta de Andreia é
uma oportunidade no Senado, que, no último certame, ofereceu salários de R$ 24
mil. "Nesse caso, a remuneração alta compensaria o fato de trabalhar em
uma área que eu não gosto", garantiu. A administradora Juliana Apostólico,
30, por sua vez, vai na contramão da colega de cursinho. "Meu foco é em
gestão social no Ministério do Planejamento. Não quero só dinheiro, quero
trabalhar no que eu gosto", ressaltou.
Falhas
Diante dessa dança das cadeiras, Fernando Fontainha chama a
tenção para a falta de afinidade com as carreiras e, até mesmo, de preparo
técnico dos candidatos aos cargos públicos que desejam. "Existe uma
ideologia concurseira, baseada em provas de múltipla escolha, que ignora a
trajetória acadêmica do candidato e a experiência profissional",
ressaltou. Além disso, das 138 empresas que organizam certames públicos (veja quadro),
poucas conseguem executar os procedimentos de forma a garantir o preceito da
isonomia.
"Isso é um problema, pois apenas 20% das bancas são
confiáveis", estimou Pimentel. De acordo com a diretora executiva da
Anpac, Maria Thereza Sombra, em 2004, elas eram somente 20. De olho em uma vaga
para delegado, o estudante de direito e concurseiro Diego César Guimarães, 25,
sente isso na pele. "Quando você compara muitas provas, vê que elas são
muito parecidas, não medem conhecimento. Quem decora mais, passa", disse.
Os engenheiros, os administradores e os advogados são os
profissionais de nível superior mais bem remunerados, de acordo com o estudo da
FGV, que analisou 698 editais publicados nos últimos 10 anos — juntos, eles
somaram 41 mil vagas. Só na primeira dessas carreiras, de acordo com o Conselho
Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), há um deficit anual de 20 mil
trabalhadores — o país forma 40 mil por ano.
E esse problema se agrava com o
aumento da demanda deles em obras de infraestrutura e, paralelamente, com a
fuga dos especialistas para o setor público. Para o senador Rodrigo Rollemberg
(PSB-DF), essa distorção não é culpa dos concursos públicos, mas do sistema
educacional brasileiro, que forma poucos profissionais qualificados. "Os
engenheiros precisam ser valorizados tanto no âmbito público quanto no
privado", afirmou.
Desde 2010, tramita no Congresso um projeto de lei para
regulamentar o mercado de concursos públicos. Sob relatoria de Rollemberg, o PL
nº 74/2010, defende punições severas para quem frauda essas seleções ou
favorece amigos. O parlamentar reconhece que ainda há pouca transparência nos
processos seletivos, mas defende esse modelo de ingresso no funcionalismo como
o mais legítimo e democrático. Rollemberg espera que o texto seja votado ainda
este semestre na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, para,
então, ser encaminhado à Câmara dos Deputados.
"Os salários e estabilidade oferecidos tornam
irracional que alguém faça qualquer outra coisa que não um concurso"