Valor Econômico
- 27/05/2013
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de controle
externo do Judiciário, abriu investigação para apurar uma fraude conhecida como
"ciranda do consignado", que fez disparar a inadimplência do
empréstimo consignado no país e tem causado prejuízos milionários aos bancos.
O esquema, denunciado em março pelo Valor, envolve uma
indústria de liminares que suspendem o desconto do consignado na folha de
pagamento e liberam o contracheque para novos empréstimos. A operação é
repetida sucessivamente como em uma ciranda, provocando um calote generalizado
nas instituições.
O pedido de providências do CNJ foi aberto na semana passada
pelo corregedor nacional de Justiça, Francisco Falcão. Ele determinou que cada
Tribunal de Justiça do país envie informações, em 15 dias, sobre todos os
processos que tramitam nas comarcas questionando descontos do empréstimo
consignado.
As corregedorias dos tribunais de Justiça da Paraíba e do
Ceará terão que fornecer dados mais detalhados sobre três varas onde a
reportagem identificou, com base em relatórios de instituições financeiras e da
Ordem dos Advogados do Brasil, um estoque incomum desse tipo de processo: Picuí
e Barra de Santa Rosa, na Paraíba, e o 6º Juizado Especial Cível de Fortaleza,
no bairro de Messejana.
A corregedoria do CNJ explicou que o pedido de providências
é um procedimento preliminar para averiguar se as fraudes existem ou não. Se
elas forem confirmadas, o CNJ avaliará se há possível participação de juízes, o
que resultaria na abertura de procedimento disciplinar.
Alguns juízes concederam um número grande de liminares,
inclusive em processos com informações falsas sobre o autor. Em determinados
casos, por exemplo, o autor trabalhava no Rio de Janeiro e firmou contrato com
bancos naquela cidade, mas o processo apontava residência na capital de outro
Estado, o que forçava a distribuição da ação para um determinado juiz. Há
inclusive liminares suspendendo descontos de pagamentos em convênios com
prefeituras ou governos de outros Estados, um procedimento questionado por
especialistas.
Juízes ouvidos pelo Valor negaram conhecimento da fraude e
disseram que podem ter sido enganados por advogados, com dados falsos nas
ações. Em algumas comarcas, suspeitas recaem até sobre o sistema de alimentação
eletrônica das ações judiciais, já que as liminares nem sempre são informadas
no andamento processual.
O Valor identificou por trás do esquema advogados, supostas
associações de funcionários públicos, além de correspondentes bancários, os
chamados "pastinhas", que anunciam o serviço por indicação e até pela
internet. Do novo empréstimo, 30% costuma ficar com o advogado e 10% com o
pastinha, que também recebe comissão das instituições financeiras por contrato
fechado.
Nessa conta, além do banco, sai perdendo o cliente, que
perde 40% do novo empréstimo para os fraudadores e fica com o nome negativado,
enfrentando cobrança das instituições financeiras.
Em muitos casos, a captação de clientes é feita por supostas
associações de defesa do consumidor ou de servidores, que funcionam, na
prática, como fachada para advogados. A Associação Brasileira de Bancos (ABBC)
está fazendo estudos sobre diversas associações e fazendo representações ao
Ministério Público dos Estados.
Na Paraíba, a PF deflagrou recentemente a Operação
Astringere, para desbaratar uma suposta quadrilha que lucrava com a manipulação
de atos processuais. Dez pessoas foram presas por envolvimento em um suposto
esquema de "fabricação" de multas judiciais, entre eles um juiz, um
delegado e quatro advogados. Uma das modalidades de processo em que a multa era
aplicada, segundo fontes vinculadas a bancos, eram ações para suspender o desconto
de empréstimos consignados.
O juiz José Edvaldo Albuquerque de Lima, um dos implicados
nas investigações da Astringere, foi afastado na sexta-feira de suas funções no
2º Juizado Especial Misto Distrital de Mangabeira, em João Pessoa, segundo
decisão comunicada pelo Tribunal de Justiça da Paraíba. "O afastamento
ocorreu após o colegiado receber cinco procedimentos administrativos
interpostos pela Corregedoria-Geral de Justiça contra supostas fraudes
praticadas pelo magistrado em processos judiciais", explicou o tribunal. A
defesa do juiz negou as acusações.
A "ciranda do consignado" começa com uma ação
judicial, apresentada com a suposta intenção de questionar os juros cobrados ou
a validade do contrato. Uma liminar é concedida para suspender o desconto das
parcelas na folha de pagamento e liberar o contracheque. Antes que o banco se
defenda judicialmente, um novo empréstimo é tomado em outra instituição. A
situação virou rotina em convênios do Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS), Aeronáutica, Marinha, prefeituras e governos estaduais.
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