Autor(es): Daniel Rittner
Valor Econômico - 20/10/2011
Brasília - A menos de 200 metros de onde um punhado de
cinéfilos assistia despreocupadamente às sessões gratuitas de uma mostra de
filmes com títulos tão sugestivos como "Num Céu Azul Escuro" e
"Baile dos Bombeiros", na semana passada, um ministro de Estado e
seus auxiliares acertavam os últimos detalhes dos editais de concessão à
iniciativa privada de três grandes aeroportos do país, tentando afastar os
temores de um novo caos aéreo durante a Copa do Mundo de 2014.
O Centro Cultural Banco do Brasil, onde um festival de
cinema tcheco dividia as atenções com um musical em homenagem a Nara Leão,
transformou-se também na sede da Secretaria de Aviação Civil. De outro lado da
cidade, em um dos edifícios comerciais mais conhecidos de Brasília, o ministro
Leônidas Cristino comanda a Secretaria de Portos apenas alguns andares acima da
redação de um jornal diário e dos escritórios de empresas de informática como a
IBM e a CTIS. E não são apenas casos isolados.
Na cidade onde tudo é - ou deveria ser - planejado, os
ministros não cabem mais na Esplanada dos Ministérios, nem as autarquias
conseguem encontrar espaço nas quadras burocraticamente batizadas de Setor de
Autarquias. Com o aumento da máquina federal desde o governo do ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, a esplanada idealizada por Lúcio Costa para acomodar
os assessores diretos do presidente da República ficou pequena para tanta
gente. Resultado: sete dos 38 ministros foram despachar em outros lados,
driblando o planejamento urbanístico de Costa.
Além das secretarias de Portos e de Aviação Civil, esse é o
caso da Secretaria de Direitos Humanos, do Ministério da Pesca, da
Controladoria-Geral da União (CGU) e da Advocacia-Geral da União (AGU), além do
Banco Central, único com sede projetada já fora da Esplanada dos Ministérios.
São mudanças com reflexos, inclusive, no mercado imobiliário
da capital. Um dos mais arrojados complexos comerciais de Brasília, o Parque da
Cidade Corporate foi inaugurado há menos de três anos e tem pelo menos sete
andares ocupados pela administração federal. Ali funciona uma secretarial
especial com status de ministério (a de Direitos Humanos), uma estatal
revigorada (a Telebrás) e uma agência reguladora (a Anac) cuja expansão do
quadro de funcionários tornou inviável sua permanência no prédio que ocupava a
menos de dois quilômetros do aeroporto.
"O inchaço da administração pública, com o aumento de
pessoal, é evidente e o plano urbanístico original de Brasília já não comporta
fisicamente essa necessidade", afirma o empresário do ramo imobiliário
Carlos Hiram Bentes David, presidente do Secovi-DF. "De fato, os órgãos do
governo vêm se deslocando para outras áreas que lhes atendam."
De acordo com o Ministério do Planejamento, o número de
servidores públicos do Poder Executivo que estão na ativa e lotados no Distrito
Federal (excluindo militares) subiu de 43.768 para 65.414, no período de
dezembro de 2002 a dezembro de 2010.
Enquanto o quadro de servidores aumentava e novos
ministérios foram criados, segundo o presidente do Secovi-DF, os prédios mais
antigos de Brasília demonstraram não ter mais infraestrutura condizente com as
necessidades dos órgãos públicos. Carlos Hiram observa que os edifícios
procurados mais recentemente pelo governo têm acesso fácil, rede elétrica
estabilizada, geradores próprios, segurança sofisticada e garagens privativas.
O valor aluguel varia entre R$ 50 e R$ 80 por metro quadrado.
A Secretaria de Portos, que nasceu funcionando no anexo do
Ministério dos Transportes e passou seus primeiros meses procurando uma sede
definitiva, foi parar no Centro Empresarial Varig. Segundo dados do Portal da
Transparência, já desembolsou R$ 170,7 mil neste ano apenas com o pagamento de
"taxas condominiais" e IPTU à Inovar Construções e Empreendimentos
Imobiliários, pelo uso de três andares, cobertura e 12 vagas de garagem.
Avançando para áreas fora da zona central do Plano Piloto,
departamentos do Ministério do Esporte, do Ministério do Desenvolvimento
Social, do Ministério do Planejamento e
a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) passaram a ocupar prédios
inteiros da avenida W3 Norte, aproximando-se de edifícios puramente
residenciais.
Para o economista Gil Castello Branco, coordenador da ONG
Contas Abertas, esse é o retrato mais visível do inchaço da máquina no governo
Lula e evidencia a necessidade de um enxugamento no número de ministérios. Uma
das ideias em gestação no governo é fundir as Pastas de Direitos Humanos, de
Igualdade Racial, de Promoção da Mulher, a Secretaria Nacional da Juventude e a
Fundação Nacional do Índio (Funai) em um único ministério.
"Ao contrário do que muitos imaginam, não haveria
retrocesso nenhum para cada uma dessas áreas", opina o coordenador da
Contas Abertas, organização dedicada ao acompanhamento dos gastos públicos.
"Os ministérios próprios dão uma falsa ideia de poder, mas é ilusão supor
que, com essa quantidade de Pastas, a presidente da República tem tempo para
despachar com todos eles. Há ministros que a veem apenas em solenidades
oficiais."
O governo exige que cada órgão da administração federal faça
uma consulta à Secretaria de Patrimônio da União do Ministério do Planejamento
antes de alugar qualquer imóvel. O aluguel só é autorizado quando a secretaria
constata que não há imóvel próprio disponível que atenda à necessidade do órgão.
O espaço mais cobiçado por integrantes do primeiro escalão é
um dos três prédios da Esplanada que continuam sendo ocupados pelos comandos
militares. O Exército, a Marinha e a Aeronáutica preservaram seus edifícios,
mesmo com a criação do Ministério da Defesa, em 1999. Apenas a Secretaria de
Assuntos Estratégicos, comandada pelo ministro Moreira Franco, conseguiu dobrar
a resistência dos militares em ceder espaço e se instalou no 8º andar do
Comando do Exército.