Autor(es): Edmilson Gama da Silva
Correio Braziliense
- 28/10/2011
Presidente do BRB
A organização do Estado, tema que mobilizou a trindade da
filosofia grega — Sócrates, Platão e Aristóteles —, é, sem dúvida, um dos
principais marcos civilizatórios da história humana. Ali, surge pela primeira
vez a figura anônima do servidor público, o servidor da pólis, personagem que,
no exercício da função, devotava-se ao interesse coletivo, personificando o
Estado, o ente comum, que, sendo de todos, não era privativo de ninguém.
Desde então, o servidor público tornou-se personagem central
na organização das cidades e na vida dos cidadãos. Não havia ainda um padrão
comum na distribuição das funções nos diversos Estados que, a partir de então,
se organizaram.
Somente com o advento da burocracia, a partir do século 18,
é que se começou a racionalizar a distribuição de funções, em busca de maior
eficácia. Max Weber, fundador da teoria sociológica, elaborou um conceito de
burocracia baseado em elementos jurídicos do século 19, concebidos por teóricos
do direito.
O termo foi empregado para indicar funções da administração
pública, guiadas por normas, atribuições específicas, esferas de competência
bem delimitadas e critérios de seleção de funcionários. Designava o aparato
técnico-administrativo, formado por profissionais especializados, selecionados
segundo critérios racionais, de modo a cumprir com maior eficácia as diversas
tarefas dentro do sistema estatal.
Houve, no curso do tempo, em função de governos mais ou
menos centralistas, distorções no uso da estrutura burocrática, chegando ao
ponto de a burocracia deixar de ser um meio para constituir um fim em si mesmo.
Mas essa é outra história.
Cumpre registrar que o advento da burocracia especializou a
mão de obra do funcionalismo, favorecendo a que o Estado melhor cumprisse sua
missão. Se, em diversas situações históricas, isso não se materializou, deve-se
à ação política de governos, que, na ânsia por mais poder, distorceram seu
papel social e moral.
No Brasil, a modernização do serviço público deu-se
tardiamente, ao tempo do Estado Novo, de Getúlio Vargas, nos anos 40 do século
passado. Antes, prevaleciam critérios subjetivos que, no Império, levaram a
elite aristocrática a ocupar postos-chaves na administração e, na República, as
oligarquias a nomear pessoas com pouco ou nenhum espírito público.
Mesmo assim, grandes figuras da cultura, no Império e na
República — entre outros, Machado de Assis, Olavo Bilac, Lima Barreto,
Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto, para citar só alguns —, fizeram do
serviço público seu ganha-pão e contribuíram para elevar seu padrão de
serviços.
A modernização varguista tornou o Estado atraente aos meios
acadêmicos. Estabeleceu carreiras e propiciou remunerações mais dignas. Não
obstante o perfil autoritário daquele regime, o Estado passou a funcionar com
maior eficiência.
Na sequência, o Brasil se democratizaria e se
industrializaria, com o surgimento de empresas estatais de grande porte, como
Petrobras, Companhia Siderúrgica Nacional, Companhia de Desenvolvimento do Vale
do São Francisco, Eletrobras e outras mais. O Estado passa a contar com uma
elite funcional, que inaugura nova fase de desenvolvimento, que chegaria ao
apogeu no governo JK. O país, é verdade, beneficiou-se de expressivos
financiamentos e investimentos externos. Mas nada disso funcionaria sem a
qualificação e a dedicação do servidor, peça chave para a implementação de
qualquer política pública.
Considerando-se os avanços que o Brasil obteve nas últimas
décadas, sob diferentes regimes e governos, e o papel que o Estado neles
exerceu, constata-se que o saldo em favor do servidor público é amplamente
favorável.
O Brasil é um país que hoje tem peso no cenário mundial.
Possui quadros de alta qualidade técnica no Itamaraty, no sistema bancário
(Banco do Brasil, Banco Central, Caixa Econômica Federal, Banco de Brasília e
outros bancos estaduais), na Fazenda, no Planejamento, na Educação, em vários
postos do Executivo, e ainda nas Forças Armadas, no Judiciário e no
Legislativo.
Considere-se ainda que, ao longo de todo esse período, houve
retrocessos no tratamento dado ao servidor. Sucessivos governos lhe impuseram a
conta das crises, congelando salários, deixando de atualizar planos de cargos e
carreiras.
Mais que isso, tornou-se uma espécie de patinho feio da vida
pública nacional, estereotipado como preguiçoso, quando, ao contrário, em
grande medida, dá mais do que recebe. O que muita gente desconhece é que a
vocação para servir é uma realidade.
Conheço grandes quadros técnicos no serviço público
brasileiro que poderiam ter valiosos benefícios e vantagens na iniciativa
privada, mas que optaram por servir ao Estado. Realizam-se empreendendo
políticas públicas cujos benefícios chegam a milhões, o que não é possível
laborando em uma empresa do setor privado.
Na Embrapa e na Emater-DF, por exemplo, há cientistas de primeira
linha, em condições de trabalhar em qualquer empresa de ponta do Primeiro
Mundo, mas que preferem dedicar sua vida ao Estado. Em todos os segmentos e
escalões do serviço público, do mais modesto aos mais elevados, há gente assim,
a quem é preciso fazer justiça.
Por isso, para que esse patrimônio não se perca — e, ao
contrário, se fortaleça — , é fundamental registrar a importância do servidor
público e do seu amor em fazer do seu trabalho uma verdadeira profissão de fé a
serviço de uma coletividade que dele depende.